Dados são do Anuário do Fórum de Segurança Pública; Amazonia tem 13 das 20 cidades mais violentas do país.
Herculano Barreto Filho, UOL São Paulo
A Amazônia tem 13 das 30 cidades mais violentas do país, indica levantamento feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que divulgou hoje os dados do Anuário com base nos casos registrados entre 2019 e 2021. Os muncípios de Santa Luzia do Oeste e São Felipe do Oeste, em Rondonia, aparecem em 4º e 5º lugares, respectivamente com 139 e 138,3 mortes violentas por 100 mil habitantes.
O estudo elaborou um ranking usando como referência o índice de mortes a cada 100 mil habitantes. Neste ano, a novidade foi a inclusão de municípios pequenos, com um cálculo proporcional relacionando a quantidade de moradores e as mortes violentas intencionais, incluindo homicídio doloso, latrocínio (roubo seguido de morte), lesão corporal seguida de morte e assassinatos em ações da polícia.
Procurado pelo UOL, o governo federal não se posicionou. Segundo o Fórum, a presença de 13 cidades da Amazônia demonstra que o cenário de violência em áreas fronteiriças e perto de comunidades indígenas já fazia parte dessas regiões muito antes dos assassinatos do jornalista inglês Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira.
O correspondente do jornal britânico The Guardian e o servidor licenciado da Funai (Fundação Nacional do Índio) foram mortos a tiros no dia 5 de junho no trajeto entre a comunidade ribeirinha São Rafael e a cidade de Atalaia do Norte (AM), no Vale do Javari.
“Os defensores do meio ambiente seguem em risco”, disse Alessandra Sampaio, viúva de Dom, em carta lida no velório do jornalista, cremado nesse domingo (26) no cemitério Parque da Colina, em Niterói, região metropolitana do Rio de Janeiro.
O levantamento do Anuário Brasileiro de Segurança Pública considerou um recorte de três anos, entre 2019 e 2021, “para evitar distorções”, já que assassinatos registrados em apenas um ano seriam insuficientes para indicar o fenômeno em cidades de pequeno porte.
“Com três anos, dá para dizer que a violência está presente no território. E é a média dos últimos três anos, não algum episódio pontual. Nem países em guerra têm essa taxa. O fenômeno da violência está se interiorizando para municípios com menos de 100 mil habitantes. E a Amazônia é a síntese desse quadro de violência extrema no Brasil,” diz Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum.
Lima relaciona os crimes na Amazônia à omissão do Estado somada à presença de facções criminosas, que transportam armas e drogas para o país. Segundo ele, o crime organizado se aproveita da ausência das Forças Armadas em áreas fronteiriças ou em terras indígenas para controlar as ações ilegais no território.
“O crime organizado tem exercido um papel de ‘síndico da Amazônia’, controlando a economia do crime. Isso envolve o garimpo, a pesca ilegal, o combustível clandestino e até a prostituição. É como a milícia no Rio, ocupando as brechas deixadas pelo Estado”, compara.
O presidente do Fórum vê ainda um cenário de impunidade fortalecido pela precária estrutura das forças de Segurança nessas regiões. “No Acre, há apenas 78 delegados de Polícia Civil. Em Roraima, são 56. O delegado é o cargo responsável por fazer as investigações criminais.
Com isso, dá para perceber o quanto é difícil fazer Justiça na Amazônia”, analisa. Das 30 cidades mais violentas do país, há 19 rurais, oito intermediárias e três urbanas. Pará é o estado que lidera o ranking (7 cidades), seguido de Bahia e Rio Grande do Norte (5 cidades cada um) e Ceará (4 cidades).
Japurá (AM) é a menos populosa delas, com apenas 1.755 moradores, de acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A mais populosa é Anapu (PA), com 29.312 habitantes, ainda segundo o IBGE.
Morte de político e de indígena Em 1º lugar no ranking, a rural São João do Jaguaribe (CE) foi palco do assassinato de um importante político da região. O advogado Vicente Robson Chaves Freire, ex-vice-prefeito do município, foi morto a tiros em janeiro de 2021.
Um indígena da etnia Munduruku foi assassinado em Jacareacanga (PA), que figura na região da Amazônia Legal e aparece em 2º lugar na lista dos municípios mais violentos do país, conforme o Anuário. Arlesson Glória Panhum da Silva, 21, foi morto a tiros quando estava em um bar.
Três dias após o crime, o suspeito de matar o indígena acabou sendo assassinado em sua casa durante uma ação da Polícia Militar, que afirmou ter reagido a disparos. Um revólver foi apreendido no local, informou a PM.
No período analisado pelo Anuário, há casos de repercussão em municípios na Amazônia listados como os mais violentos do país, como o assassinato de quatro pessoas na saída de um garimpo ilegal de Aripuanã (MT), em novembro de 2020.
De acordo com o boletim de ocorrência, uma jovem de 19 anos, que estava grávida e era casada com Jonas dos Santos, de 25 anos, uma das vítimas, teve a vida “poupada” após o marido implorar aos suspeitos que a liberassem. Na ação, também foram mortos Elzilene Tavares Viana, 41, o marido Leôncio José Gomes, de 40, e o filho do casal, Luiz Felipe Viana Antônio da Silva, de 19.
Em depoimento, a sobrevivente relatou que os assassinos estavam encapuzados. Ela disse ter sido levada de carro pelos suspeitos até Juína, onde eles pagaram a passagem de ônibus dela e disseram para ela “desaparecer”. Quase dois anos após o crime, o caso segue sem solução. Apipuanã figura em 10º lugar no ranking das cidades mais violentas do país elaborado pelo Anuário.