Li na quase totalidade os 60 artigos do PL 2360/2020, que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Esse é o nome, deveria ser assim tratado, pois se trata efetivamente de um instrumento para regular atividades essenciais no mundo de hoje, mas que infelizmente viraram palco de guerra, de estímulo ao ódio e à violência, à propagação e execução de crimes e à desinformação.
Eu mesma entrei na onda de chamar PL das Fake News. Extremistas ou não da direita chamam de PL da Censura. É narrativa do jogo político, mas a percepção é de que por esse caminho não se construirá consenso para definir impasses, como a quem caberá a supervisão e fiscalização das obrigações dos provedores para oferecer mais transparência e garantir a ausência de conteúdos tóxicos no ambiente virtual.
É bastante negativo, a meu ver, o relator não oferecer, logo no início do projeto quando estão conceituados termos da proposta de lei, como conta automatizada, conteúdo e perfilamento entre outras expressões próprias do mundo digital, o conceito de desinformação. Na guerra das narrativas, é fundamental, e ajudará no acolhimento maior ao projeto. Do contrário, o conceito cai nas mãos do aparato institucional que o governo Lula montou, o ja chamado “Ministério da Verdade,” o que é temerário e apavorante, e no futuro poderá ser apriosionado para outro fim ideológico, a depender do governante de plantão.
Não vislumbrei censura no PL, de autoria do senador Alessandro Vieira (PSDB-SE). Na Câmara, onde se encontra, sofreu alterações, e o relator, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), apensou a ele diversos projetos similares. Já se discute, por falta de consenso, deixar para definir o ente que irá supervisionar e fiscalizar as ações previstas na proposta da lei exigidas aos gigantes da tecnologia virtual quando a mesma, após aprovada, for regulamentada.
A garantia à liberdade de expressão está contida em vários pontos da proposta, como nos objetivos, princípios e na seção em que atribui ao provedor a obrigação de identificar, analisar e avaliar de forma diligente riscos sistêmicos, considerando a gravidade e probabilidade de ocorrência, como exemplo cito aqui a convocação feita pelas redes para o quebra-quebra do dia 8 de janeiro, afetando um dos pontos sob proteção da lei, o Estado Democrático de Direito.
Na seção, está explicito que há de se ater, na avaliação dos riscos sistêmicos, “à garantia e promoção do direito á liberdade de expressão, de informação e de imprensa e ao pluralismo dos meios de comunicação social.”
Vi preocupação maior em regular mesmo a atuação dos provedores de redes sociais, ferramentas de busca e mensageria instantânea (casos do Whatsapp e Telegram), serviços em que a lei textualmente diz atuar, do que a estratégia de se concentrar fortemente nos que produzem conteúdos, que são, na definição da lei, informações processadas ou não.O capítulo 2 trata da responsabilização civil dos provedores, de forma solidária.
É preciso ter bom senso na discussão para considerar que o PL 2630 vai muito além da versão das narrativas em jogo no tabuleiro político, infelizmente não acentuado pela imprensa tradicional, que se concentra no combate à desinformação, o que é natural, sem dúvida, por ser interesse direto do jornalismo profissional. Mas o dever da imprensa é ir além do seu próprio interesse.
Contém 16 capítulos, um deles, o 10, dedicado à proteção das crianças e adolescentes, o que reputo da maior importância, até maior do que a histérica discussão sobre censura ou não no ambiente virtual.
Vale citar que no artigo 11, que trata das Obrigações do Dever de Cuidado, estão listados crimes contra crianças e adolescentes, contra a mulher, racismo, estado democrático de direito, atos de terrorismo, induzimento, instigação ou auxilio ao suicídio e infração sanitária entre outros aos quais os provedores devem se esforçar para combater mediante medidas previstas na lei.
Muito importante: o dever de transparência. Os provedores de ferramentas de busca, redes sociais e mensageria deverão dispor de forma acessível, com informações claras, publicas e objetivas, os termos de uso de seus serviços, inclusive descrever como funcionam os sistemas de algoritmos usados. Exige que produzam relatórios semestrais sobre os deveres de transparência e atuação na remoção de conteúdos e moderação, para o qual há um capítulo dedicado.
Ganhou apoio de mais de uma dezena de entidades patronais e de trabalhadores da imprensa a previsão de se remunerar o conteúdo produzido por jornalista profissional, local, regional e independente, constituídos em empresas há pelo menos 24 meses. Há lacuna, entretanto, inclusive foi apontada pelo Google em nota que circulou no sábado, da ausência de definição do jornalismo profissional.
A Google disse que defende a remuneração, mas não poderá remunerar toda e qualquer empresa que alega produzir conteúdo jornalístico, o que faz sentido. Há muito portal de notícia a soldo do incentivo à extrema-direita, por exemplo. Um fundo é uma saída para fazer a remuneração, mas nada está definido, o que deve ficar para a regulamentação da lei.
No capítulo VIII, da atuação do poder público, o 6º parágrafo permite que a imunidade parlamentar seja estendida ao campo das redes sociais, tornando um usuário de rede mais igual do que os outros, item também reclamado pela Google.É absurdo. Vamos lembrar que parlamentares da extrema-direita abusaram da desinformação e fizeram o diabo nas redes sociais durante a pandemia, na eleição, e nada lhes aconteceu, pelo contrário. Tudo permanecerá como dantes?
A lei não se aplica a provedores cuja atividade primordial seja comercio eletrônico; realização de reuniões fechadas por vídeo ou voz; enciclopédias online sem fins lucrativos; repositórios científicos e educativos, e plataformas de desenvolvimento e compartilhamento de software de código aberto;
A decisão judicial que determinar a remoção de conteúdo ilícito relacionado à prática de crimes deve ser cumprida pelos provedores no prazo de 24 horas. A multa varia de R$ 50 mil até R$ 1 milhão por hora de descumprimento.