A pretexto de proteger a Democracia, o pacote de projetos de lei anunciado na sexta-feira, 21, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, indica ser um tiro no pé. Agressões à Democracia não se combatem com disposições ainda mais punitivistas, exageradas, que tem apenas algum simbolismo, sendo vistas de forma desconfiada se a pena é aplicada numa patente desproporção ao crime constatado.
Não se está a contemporizar com as agressões ao Estado Democrático de Direito, mas entendo que as leis existentes já são capazes de inibir e punir ataques à Democracia com base nos crimes tipificados no Código Penal no capítulo dos Crimes contra o Estado Democrático de Direito, a partir de 2021, após extinção da Lei de Segurança Nacional.
Pelo andar da carruagem, com medidas em série que vem sendo anunciadas, como a criação da Procuradoria da Democracia, apelidada pela oposição de Ministério da Verdade; a iniciativa do senador Renan Calheiros – velho aliado do lulopetismo – de deixar na mão da Suprema Corte a exclusiva competência para apaziguar o país nos conflitos da representação democrática e o exercício um tanto afoito do ministro Flávio Dino (Justiça) de tudo querer punir e mandar investigar, isso sem contar o ativismo político do STF, vislumbro um cerco penal destinado não a salvaguardar a Democracia mas vigiar, punir e imobilizar o “inimigo” político.
Sim, para governos populistas e de natureza hegemônica há sempre um inimigo de plantão, e o perigo por ele representado será dosado de acordo com as conveniências do momento político-eleitoral, contando-se ou não com a elasticidade da avaliação dos ministros superiores amigos e de um parlamento movido por emendas PIX.
É o que penso, estamos vendo abusos, e um inquérito de fim de mundo pilotado pelo ministro Alexandre de Moraes se transformou numa deformação jurídica na qual ninguem sabe no que vai dar.
Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade implícitos na Constituição serão considerados no pacotão de leis ? Serão presas as pessoas que quiserem ir às ruas pedir o impeachment do presidente Luiz Inácio Lula da Silva? Será essa uma manifestação antidemocrática?
São legitimas perguntas, e a propósito do pacotão de Flávio Dino apoiado por Lula da Silva o desembargador aposentado e ex-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, Marco Antônio Nahum, entrevistado pelo Estadão disse considerar ‘exacerbada’ a previsão de até 40 anos de prisão para crimes que atentem contra a vida de autoridades, entre elas ministros do Supremo Tribunal Federal. Eu também.
“A exacerbação da legislação penal, em casos semelhantes, é política criminal que encontra respaldo no chamado “Direito Penal do Inimigo”. Trata-se de um modelo de política criminal que, logicamente, inspira uma dogmática penal e processual penal de combate do ordenamento jurídico contra indivíduos especialmente perigosos, como se o Estado não falasse com cidadãos que eventualmente violaram a lei”, explicou.
A excelente observação reforça meu argumento. Ademais, a democracia é um valor que os políticos e partidos em geral no Brasil só valorizam, defendem e incentivam a ampliação nas formas possíveis, como a aplicação do referendo e plebiscito, em raríssima circunstância.
A única vertente que ganha primazia e exaltação, inclusive hoje mais do que nunca por causa dos bem guarnecidos fundos partidários, é a democracia eleitoral.
Nela, e só nela, pois o resto é para inglês ver, como deliberar em conselhos participativos ou fazer orçamento ouvindo o povo, o PT é craque. E todos os partidos cometem irregularidades, conseguem aprovar lei para se livrar das multas e outras penalidades cometidas nas eleições e tudo fica por isso mesmo. Sobre isso o STF e a Justiça Eleitoral se calam.
Outro entrevistado do Estadão, o constitucionalista André Marsiglia diz que o aumento das penas, conforme previsto no pacote divulgado, somado a uma ‘interpretação muito elástica do que pode ser ameaça ao Estado’ pode resultar em um ‘encolhimento da crítica aos agentes públicos’ – “o que, obviamente não é desejável em uma democracia”
O criminalista Sérgio Rosenthal, especialista também ouvido pelo jornal, alerta que o endurecimento de penas para quem atentar contra o Estado Democrático de Direito, ‘da forma como proposto’, é ‘temerário e desproporcional.”
Opinião semelhante dada pelo advogado das estrelas da política Antônio Carlos Kakay. Rosenthal afirma tratar-se de um delito ‘cuja definição se presta a muitas e diferentes interpretações’. Bingo!
Democracia precisa de mais Democracia. Incentivo à cidadania, incentivo à participação. É mais Democracia simplesmente cumprir a vontade dos representantes do povo brasileiro no Congresso Nacional que aprovaram a impressão do voto eletrônico, cuja lei foi promulgada em 2015, com apoio de especialistas em tecnologia, que consideraram o sistema atual inauditável.
A Justiça Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal (STF) negaram-se a cumprir a lei. Alegaram ser alto os gastos de R$ 1,8 bilhão na implementação da medida nas eleições de 2018, mas francamente isso é quase nada quando comparado às perdas que o Brasil suporta com renúncia fiscal criminosa e bilionária que ocorre em todos os sucessivos governos.
Sem avançar nessa questão, sem investir na educação democrática, sem relativizar a corrupção e apresentar bons exemplos na política central, o pêndulo da sociedade que em todas as pesquisas se mostra favorável à Democracia se afasta para o autoritarismo.
E concretamente, pela dureza da vida, muito mais por falta de crescimento economico e impressionante desigualdade social, não solucionados com um orçamento refém do sistema financeiro e do Congresso Nacional, e um presidente de terceiro mandato paralisado pela impotência de inovar, apresentar planos e metas e tentar mudar a governança política, agarrado ao passado.
De modo que o regime democrático tem sido uma abstração para a maior parte do povo, que dia a dia vive dificuldades de toda ordem, nem preciso mencionar.
A vocação persecutória do governo no tom do pacotão que pretende punir com prisão de até 40 anos, caso comprovado o propósito de se alterar o Estado Democrático de Direito, quem atacar autoridade dos três poderes, como um ministro do STF, é muito preocupante.
É um método danoso e nocivo de governar, para manter o país dividido e polarizado, um método que não considera de verdade os interesses do Brasil e que destoa da promessa de Lula3 ao assumir o mandato neste ano. Um método que considera apenas os interesses de poder, mais uma vez. Estamos mal, muito mal.
Detalhes do pacotão do governo aqui