Orçamento sequestrado: um projeto que não acabou

É 179 vezes maior do que há 10 anos o custo de emendas parlamentares pagas com o orçamento federal.
Arthur Lira oficializou os grupos de trabalho. Foto: Zeca Ribeiro.

O custo de emendas de parlamentares pagas com o orçamento federal é hoje 179 vezes maior do que há 10 anos. No ano de 2023 o governo Luiz Inácio Lula da Silva desembolsou, e ainda assim sofreu duros reverses na Câmara dos Deputados especialmente, R$ 34,5 bilhões em emendas parlamentares. Em um só mês foram R$ 11 bilhões, um recorde.

Em 2014, as emendas pagas correspondiam a R$ 200 milhões (0,1%). Os dados resultam de levantamento feito pelo economista e pesquisador do Isnper, Marcos Mendes, a pedido do jornal O Estadão

A conclusão é inescapável: o orçamento é sequestrado velozmente pelo parlamento, que disputa com o Executivo o reduzido naco de 7% em recursos discricionários, isto é, gastos livres que poderiam, em tese, ser usados pelo governo como desejasse melhor. Investir em importante obra estrutural, por exemplo.

O restante, 93%, é amarrado em despesas obrigatórias, vinculadas a normas legais a que o presidente de plantão não pode deixar de cumprir. São elas aposentadorias, salários, saúde, educação etc.

O aprisionamento de fatias orçamentárias pelos deputados e senadores cada vez mais elevadas não é novidade. Passando por Dilma Rousseff, Michel Temer, Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva o levantamento indica avanço crescente, com um marco que inicia toda a escalada: a aprovação do orçamento impositivo em 2015.

Inicialmente para emendas individuais, chegando depois às emendas de bancada. Daí para frente, ficou mais difícil o exercício e controle da governabilidade, porque até esse marco era possível o Executivo negociar com o parlamentar, tinha mais poder sobre o uso do dinheiro e assim conseguia a cooperação para alocar o recurso em projeto X e liberar em data acertada numa articulação menos ideológica, até certo ponto renunciada pelo parlamentar.

Com o crescente avanço de controle dos recursos, o que se exacerbou no governo de Jair Bolsonaro, acuado pelo centrão e por n pedidos de impeachment, os congressistas passaram a ser mais exigentes no que diz respeito a suas posições ideológicas e programáticas, avalia o cientista político Claudio Couto. É o que se tem notado de fato.

Eles fazem o que querem via artimanhas orçamentárias aprovadas para aumentar o controle do dinheiro, levando para municípios que nem mesmo precisam de recursos de Atenção Primária à Saúde (APS), por exemplo, serviços ou obras suspeitas de favorecer interesse privados.

Levantamento da Fundação Tide Setubal feito a partir de 2018, aponta que municípios com a porta de entrada da saúde (exames, consultas etc.) mais precária recebem quatro vezes menos recursos do que municípios bem resolvidos na APS.

Bilhões de reais estão sendo destinadas para essa área por meio de emendas, desde que se tornaram impositivas, com a lei prevendo que parte dos valores tinham que obrigatoriamente ir para a saúde. E o resultado é que há uma utilização absurdamente errática, tornando a saúde mais desigual pelo país.

Entre as artimanhas sobressaem-se o orçamento secreto e as emendas PIX, ambos surgidos em 2019, ambos denunciados pelo Estadão. São por esses canais, sem transparência, que a corrupção encontra ampla facilidade, caminho fácil para enriquecimento ilícito de parlamentares e prefeitos.

Algo que Luiz Inacio Lula da Silva disse na campanha que iria enfrentar, mas até agora o único gesto é o veto de R$ 5,6 bilhões dos R$ 53 bilhões aprovados na lei orçamentaria de 2024. Que, tenho certeza, será derrubado pelos parlamentares.

A Emenda PIX, inovação bem brasileira, deu aos parlamentares o poder de transferir dinheiro diretamente para Estados ou municípios, sem vinculação a nenhum projeto específico de política pública.

E, pasme, antes mesmo de qualquer obra ou serviço ser entregue. É uma corrupção institucionalizada e contrária aos princípios da administração pública, que exige moralidade e transparência, pois não se sabe onde os recursos foram gastos.

Quando Luiz Inácio assumiu sabia obviamente desse quadro de usurpação das competências do Executivo, um presidencialismo enfraquecido, que traz conflitos sérios, mas ele preferiu 1) apoiar ainda na transição o retorno de Arthur Lira à presidência a Câmara dos Deputados e 2) passar o ano em viagens internacionais, nas quais desafio qualquer um a me dizer para que serviram, o que o Brasil ganhou com elas.

Aliás, em 2023, os investimentos estrangeiros no país reduziram 17% em relação ao ano anterior.

O presidente não dispendeu um minuto do seu tempo a propor um debate e revisão da escalada de governismo que gestões anteriores e Lira empreenderam sobre decisão orçamentária.

Essa ambição é demonstrada pelo deputado numa entrevista dada ao jornal O Globo, em fevereiro de 2021, logo após assumir o primeiro mandato de presidente da Câmara.

Arthur Lira disse então que o Legislativo é quem decide em que área vai executar o orçamento e quanto. Depois de influenciar e interferir em todas as mudanças orçamentárias havidas em 2019 – era então o deputado mais próximo a Bolsonaro e de relevância do centrão -, o próximo passo, disse ao Globo, é desvincular despesas do orçamento.

“Hoje, você tem orçamento que bota 25% pra educação, 30% pra saúde, “x” para penitenciárias, vem todo carimbadinho. Então, de 100% do Orçamento, 96% você não pode mexer,” declarou.

A meta está traçada. A configuração orçamentária pode mudar mais, Arthur Lira não dorme no ponto, e quem acha que o atual governo federal irá esbravejar contra a marcha dessa proposta é só ler as declarações da equipe da Fazenda sobre dinheiro da educação e da saúde vinculados ao orçamento e talvez mude de ideia.

Tudo é questão de tempo. Com o tempo interminável da omissão por parte do dirigente central do país para temas espinhosos que exigem preparo e dedicação, e um chamado à participação da sociedade na discussão orçamentária, por exemplo, o tempo de Lira chega ainda mais rápido. Aí então o Congresso faz tudo – e qualquer tema público pode ser rediscutido, obviamente – do jeito dele.

Não demora e Arthur Lira conclui a tarefa a que se propôs: “Nós vamos buscar o comando do Orçamento,” disse, frase-manchete de O Globo. Sequestrado está o orçamento, sequestrado ficará, e nós, brasileiros, tiramos sangue a cada dia para seguir em frente como cidadãos só lembrados na eleição.