Com a homologação pelo ministro Flávio Dino e referendo do Pleno do STF ao Plano de Trabalho elaborado pelo Executivo e Legislativo para garantir princípios de transparência na indicação até a execução das emendas parlamentares, a Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado (Conorf) divulgou nota para esclarecer efeitos e decisões da Corte sobre o tema.
O pagamento das emendas é ponto, evidentemente, que interessa aos parlamentares, por seu caráter político-eleitoral, originando embate com a Corte desde que em dezembro de 2022 o chamado “orçamento secreto” foi considerado inconstitucional pelo STF.
A prática foi instrumentalizada pelo uso das emendas do relator-geral (RP-9) do orçamento para inclusão de novas despesas e programações, “incompatível com a ordem constitucional,” declarou a Corte à época.
Emendas individuais impositivas
Segundo a nota da Conorf, as decisões do STF não admitem “exceções para privilegiar ou dar tratamento diferente” às emendas impositivas (de pagamento obrigatório) em relação a outras despesas da União.
“Esta conclusão coloca em xeque a própria noção do que seria ‘execução obrigatória’ no caso dessas chamadas ‘emendas impositivas’, ou seja, qual seria a diferença entre essa parcela do Orçamento e qualquer outra parcela discricionária, dado que regras aplicáveis a elas têm de ser as mesmas que as incidentes sobre o restante do Orçamento discricionário”, destaca a nota.
Ao fazer a interpretação constitucional do que estabeleceu o STF no julgamento definitivo da ADPF 854, em 19/12/2022, a Consultoria do Senado observa ainda que qualquer que seja a interpretação que se dê ao caráter “impositivo” das emendas em função do texto constitucional “não pode, sob hipótese alguma, ter caráter absoluto.”
“Ao contrário, a execução dessas emendas (seja qual for a modalidade atual ou futura) somente ocorrerá se atendidos, de modo motivado, todos os requisitos constantes do texto da Constituição Federal e das normas infraconstitucionais aplicáveis, sem prejuízo de outras regras técnicas adicionalmente estabelecidas em níveis legal e infralegal,” continua o texto.
São quatro as modalidades de emendas, e de acordo com a Constituição, são consideradas de execução obrigatória emendas individuais até o limite de 2% da Receita Corrente Líquida (RCL) e coletivas (de bancada) até o limite de 1%.
Com base nas disposições definidas pelo ministro-relator Flavio Dino e o julgamento do STF, as regras em seu conjunto revelam que a “impositividade” e a “execução obrigatória” de emendas não se sobrepõem a qualquer outra regra ou princípio constitucional, legal ou infralegal, de natureza jurídica ou técnica, que incida sobre a despesa pública.
“Bem como, diz a nota, “qualquer outro atributo similar que venha a ser criado, não em função da natureza intrínseca das despesas, mas como decorrência de alguma circunstância ou interveniente no processo de decisão da lei orçamentária, como o fato de ser proveniente de emenda parlamentar.”
O STF considerou que não se admitem exceções introduzidas na legislação ou na prática para privilegiar ou dar tratamento diferente a essas despesas em relação a nenhuma outra despesa do orçamento da União, dado que, nas palavras da Corte, existe “apenas um único Orçamento Geral da União, e não dois.”
De modo que o artigo 14 da Lei Complementar 210/2024, que pretendia proteger as emendas parlamentares de restrições e impedimentos aplicáveis às programações do Executivo é corrigida pelo STF, pois, pela “decisão da dicção da Corte, não há como considerar-se que alguma regra incida sobre uma programação do Executivo e não incida sobre uma emenda, ou vice-versa.”
A decisão, observa a Consultoria, coloca em xeque a noção do que seria execução obrigatória no caso das emendas impositivas, qual a diferença entre essa parte do orçamento e qualquer outra parcela discricionária, uma vez que as regras têm de ser as mesmas sobre o montante do orçamento discricionário (de livre execução pelo governo.)
Os consultores avaliam que seja possível então conceber uma vedação à decisão executiva de realizar ou não a despesa segundo critério meramente potestativo: uma despesa decorrente de emenda não é “obrigatória” no sentido de que tenha que ser executada de forma alheia ou contrária a regras legítimas e motivadas de priorização da despesa (de natureza técnica ou macrofiscal), mas se atender a tais regras não poderá deixar de ser executada pela simples alegação de ser “mera autorização” ou de direito potestativo do Executivo em realizá-la ou não. Qualquer outra interpretação para o conceito de “impositividade”, alerta a Consultoria, “chocar-se-ia frontalmente com o prescrito pela decisão judicial.”
Emendas Pix
Outro ponto da nota aborda o tratamento dispensado pelo STF às chamadas transferências especiais, popularmente conhecidas por emendas Pix. “As condições de validade e execução dos recursos foram profundamente afetadas,” diz. Elas foram criadas em 2019 pela emenda constitucional 105, são pagas diretamente ao beneficiário e não dependem de convênio.
“Os recursos somente poderão ser liberados pelo Executivo após a comprovação de que os beneficiários apresentaram, pelo sistema eletrônico de execução de transferências (Transferegov.br), informações mínimas sobre a aplicação do recurso. Do ponto de vista da administração financeira, as decisões exigem a abertura de uma conta corrente bancária específica para a administração de cada transferência especial, proibindo-se desta forma o depósito em contas de titularidade do ente que acumulem outros valores ou outras finalidades”, salienta o documento.
É instrumento para permitir o acompanhamento do destino final dos recursos transferidos, “o que vai ao encontro da rastreabilidade até o destino final dos recursos” exigida pelas interpretações da Corte. Essas transferencias são uma modalidade de emenda indiviual.
Emendas para a saúde
As decisões do STF trazem regras específicas para despesas na área da saúde. A exigência de um plano de trabalho — previsto para todas as emendas parlamentares — “é ainda mais rigorosa” neste caso, segundo a Conorf.
“O órgão responsável pela aprovação de planos de trabalho no âmbito sanitário não é exclusivamente o repassador federal. Devem concorrer na decisão também os agentes decisórios da estrutura tripartite do SUS (Sistema Único de Saúde) responsável pela instância recebedora dos recursos, e essa decisão tem parâmetros claros nas regras de governança das transferências do SUS estabelecidas na respectiva legislação e regulamentação infralegal. Também se exige a aplicação de tais recursos em contas específicas, de forma a identificar os beneficiários finais das despesas”, pontua a nota.
Emendas: vinculadas ao Estado do parlamentar
A vinculação federativa da emenda é outro aspecto realçado pela Conorf. De acordo com as decisões do Supremo, é considerada inválida qualquer emenda destinada por um senador ou deputado a Estado diferente daquele pelo qual ele foi eleito.
A exceção se dá somente a projeto de âmbito nacional cuja execução ultrapasse os limites territoriais do Estado do parlamentar.
“Neste ponto, parece implícita a limitação da abrangência às emendas individuais ou, no máximo, às emendas de bancada, tendo em vista que apenas nesses casos é possível identificar a unidade da Federação pelas quais os parlamentares foram eleitos”, pontua a Conorf.
Transparência
As decisões do STF colocam de forma “absoluta” os princípios de transparência e rastreabilidade das emendas em todas as regras, que valem desde a fase inicial de sua votação até a execução do Orçamento.
“Isso impõe registrar e divulgar, irrestritamente, todo o caminho que a despesa percorreu, desde a tomada de decisão no interior da administração (processo legislativo, licitação, designação de beneficiários) até a aplicação efetiva (empenho, liquidação e pagamento). Ademais, a garantia de transparência e rastreabilidade há de ser prévia à execução dos recursos, e abrange tanto novos empenhos quanto a continuidade de despesas já empenhadas (inclusive as inscritas em restos a pagar)”, sublinha a nota.
Incerteza eliminada
A Consultoria de Orçamento do Senado difunde também que a incerteza antes existente sobre a responsabilidade competente de fiscalização das transferências especiais é eliminada. O STF deixa claro que incide plenamente a competência dos sistemas de controle externo e interno da União (Tribunal de Contas da União e Controladoria Geral da União).
A colaboração eventual dos Tribunais de Contas de Estados e Municípios é explicitamente acolhida, quando tais iniciativas conjuntas forem empreendidas – mas sem afastar a jurisdição original do controle externo federal.
A Corte também deixou claro que a prestação de contas dessa modalidade deve ser feita “nos mesmos moldes aplicados às transferências com finalidade definida”, ou seja, de forma análoga às demais transferências feitas mediante convênio.
Abaixo a nota da Consultoria do Senado:
Nota informativa decisões STF emendas
Com informações da Agência Senado.