“Moraes criminaliza discursos, opiniões e o jornalismo,” disse Gleen no Senado

O jornalista que produziu a Vaza Toga disse que há um modo sempre repetido do ministro para criminalizar opiniões e a imprensa: diz que são movidos por organização criminosa e para derrubar a democracia.
Gleen disse que o ministro Moraes abusou do poder no TSE.

Convidado a falar sobre os áudios vazados que resultaram em reportagens na Folha de São Paulo sobre o modo de operar do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, especialmente quando presidia a Corte Eleitoral, o jornalista Gleen  Greenwald disse a senadores da Comissão de Segurança Pública (CSP) na tarde de quarta-feira, 30, que o ministro não tem a menor hesitação de usar acusações contra jornalistas, “inclusive em um jornal como a Folha, grande, que atua há muitas décadas no Brasil.”

O jornalista, em parceria com outro profissional, Fabio Serapião, publicou série de reportagens na Folha, a partir de agosto de 2024, com base em mensagens e áudios vazados do trabalho dos assessores do ministro, escândalo batizado de Vaza Toga, mostrando que Moraes abusou dos poderes no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O uso do setor de combate à desinformação, criado na época da eleição, era coordenado por Eduardo Tagliaferro que, convidado a falar na Comissão, não compareceu. Por causa das revelações contidas nas reportagens, Moraes mandou abrir inquérito para investigar fontes dos jornalistas, e os profissionais de imprensa foram incluídos. “Foi uma intimidação, pois nunca fomos chamados a depor,” disse Gleen a um questionamento do senador Eduardo Girão (Novo-CE).

Moraes também foi convidado para falar na comissão sobre a suposta solicitação de seu gabinete, de maneira não oficial, de relatórios relacionados à desinformação, especialmente durante as eleições de 2022, mas não compareceu.

Greenwald disse que os ex-assessores de Moraes no Tribunal, responsáveis pelas informações, sabiam que estavam infringindo as regras. Afirmou que os áudios revelavam a preocupação dos ex-funcionários com os abusos. “Diziam: ‘Meu Deus, se isso for divulgado, não está certo’ Eles queriam esconder o que estava acontecendo,” disse Gleen.

“Depois do primeiro dia que começamos a publicar as reportagens, o ministro se defendeu no STF, e ele usou todas as frases que ele usa para criminalizar discursos e opiniões,” disse Gleen.  Leia pontos da manifestação inicial do jornalista convidado, naturalizado brasileiro, e que há 20 anos mora no Brasil:

Criminalização do jornalismo

Gleen Greenwald disse que há um modo de se comportar por parte do ministro, repetido sempre, para criminalizar o jornalismo, críticas da imprensa. “Ele fala as denúncias e críticas são movidas por  organização criminosa, que tem o motivo de destruir a credibilidade das instituições e derrubar a democracia brasileira para a volta da ditadura. Sempre interpretando a reportagem e críticas como crime; é de imediato isso, sempre ele faz isso.”

Inclui não apenas as fontes com as quais o jornalista trabalha, mas os próprios jornalistas. “Moraes não tem a menor hesitação de usar acusações contra jornalistas,” declarou.

Medo de Moraes

Antes mesmo da Vaza Toga, o jornalista, que fez reportagens sobre a Lava Jato  e no portal Intercept divulgou áudios hackeados de conversas entre o juiz Sérgio Moro e procuradores da Lava Jato e acompanha a atuação de Moraes desde que a Suprema Corte deu carta branca para ele nas eleições, disse que percebeu “muito rápido, antes mesmo das matérias da Folha, que tem muitas pessoas no mundo jurídico, especialistas na Constituição Federal, que expressam criticas na forma privada contra a atuação abusiva de Alexandre de Moraes.”

Porém, na produção das reportagens, quando pedia uma declaração pública de pessoas da área jurídica elas negaram. “Quando se pede para dar uma declaração pública, para se manifestar publicamente, e são pessoas poderosas, em posição de destaque no Brasil, diz que não conseguiriam, não é possível. Elas têm medo, não querem. Tem medo das consequências, não apenas no impacto em suas carreiras, mas consequências legais,” disse.

Transparência

Gleen disse ter aceitado o convite feito pela Comissão de Segurança Pública do Senado Federal, presidida pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), porque acredita que quando um jornalista faz uma reportagem que tem impacto “tem obrigação de responder publicamente, de falar sobre, quando chamado. Já fiz isso sobre a Lava Jato, então é um papel importante, de ser o mais possível transparente.  Tenho essa obrigação.”

“Estou morando no país há 20 anos, tenho três filhos, para mim não é um país estrangeiro, é meu lar; então eu me importo muito sobre o que está acontecendo aqui, com o futuro do Brasil,” declarou inicialmente.

Vaza Toga

Da mesma forma que no caso Snowden, com as matérias da Lava Jato, quando se tem um grande arquivo, todos querem saber: o que mais têm, por que não publicam tudo? Gleen assim se expressou ao explicar que foram publicadas matérias muito rapidamente nas três primeiras semanas, 15 artigos no total. Dois outros textos foram publicados em mês posterior, mas ele acredita que o assunto não recebeu a atenção que merecia, inclusive de outros espaços de mídia.

Abuso no TSE

O jornalista disse que as reportagens demonstraram que os assessores do TSE sabiam que faziam ações erradas, “porque Moraes tinha um sistema para investigar que não era correto.” Entre elas, modificava processos para esconder o que estava acontecendo, e por muitas vezes o ministro mentiu ao dizer que todos os processos no âmbito da justiça eleitoral tinham conhecimento da PGR e eram levados ao Plenário. “Provamos que o que ele falava era falso. Ele disse muitas falsidades.”

Gleen confirmou que o ministro abusou do poder no TSE ao usar a estrutura, manusear uma espécie de gabinete paralelo, para tratar não apenas de assuntos eleitorais, mas também de assuntos pessoais, investigar pessoas que organizavam protestos. “Foi além de garantir a integridade da eleição.”

Um exemplo de abuso foi citado. Moraes determinou, quando tinha acabado as eleições, ao saber que haveria um protesto contra ministros do STF em Nova Iorque, para investigar quem organizava a manifestação. A equipe dele disse que isso não poderia ser feito, mas ele mandou continuar.

“Chegaram a uma única pessoa, o deputado estadual Homero Marchese, do Paraná. Moraes bloqueou o Instagram dele por seis meses e outras redes X, Facebook, Tik Tok, e nunca levou o caso para Plenário e nem tinha participação da PGR, muito menos do acusado.”

Se declarou perplexo pelo fato da carta branca dada pelo STF  para Moraes agir até o final da eleição, 30 de outubro (segundo turno), perdurar com a adoção da censura por meses e meses e inquéritos instalados indefinidamente como o das miliciais digitais.

Intimidação

Ao falar do deputado Marcel Von Haten, investigado por comentários que expressou no Congresso, Gleen disse: “Nunca pensei que esse direito seria violado; agora estamos vendo isso. Muitos tem medo de ser alvo do ministro também,” declarou, dizendo que muitas vezes ligou para parlamentares, que expressam essa preocupação. O jornalista disse que o ministro cria um ambiente de intimidação de propósito.

“Faço jornalismo há muito tempo, não é a primeira vez que faço algo para criar raiva em autoridade; nunca vi jornalista sendo incluído formalmente em investigação, chamando para falar sobre algo que publicou, isso tem um impacto bem grande sobre nosso trabalho,” disse.