ENTREVISTA JOSÉ BIANCO
Liderar os trabalhos da Assembleia Constituinte de 1983 e presidir o Poder Legislativo sem nunca ter sido nem mesmo vereador foram desafios que resultaram, para José de Abreu Bianco, em profundo aprendizado, conforme ele mesmo registra. Teve apenas um voto contrário dos deputados eleitos em novembro de 1982 para dirigir o poder que se instalava.
“Eu advogava em Vila Rondônia, depois Ji-Paraná. Eu não conhecia o poder público. Eu não tinha sido nada. Sequer tinha assistido uma reunião de parlamento,” relembra, dizendo que o espírito dos deputados constituintes, 15 do PDS e 9 do PMDB, era de entusiasmo, otimismo e esperança.
Quem deu posse em 31 de janeiro de 1983 ao presidente José Bianco e demais membros da Mesa Diretora foi o desembargador Darci Ferreira, já que não havia Poder Legislativo ainda.
José Bianco diz que teve de aprender a lidar com os debates acalorados, foram muitos, com bons oradores naquela época, procurando dar liberdade “mas quando via que estava indo para o lado pessoal, para a agressão, eu intervia, com pedido de suspensão ou cortando o som.” “Tive de aprender tudo muito rapidamente na minha vida”, completa.
Os constituintes, em seis meses de trabalho e divergências, a primeira e mais contundente delas segundo Bianco foi a quem caberia a relatoria do texto constitucional, produziram “ousadia e inovação”. Prestes a ser homenageado em evento que marca os 36 anos da primeira Constituição de Rondônia, nesta terça-feira, 6, o ex-governador falou ao Blog da Mara.
Leia outros momentos da entrevista, concedida em seu escritório, no centro de Porto Velho:
Inédito: Ministério Público ganha autonomia
No decorrer dos seis meses de elaboração da primeira Constituição de Rondônia os constituintes tiveram bom assessoramento, contribuições de parlamentares catarinenses e estudaram constituições de outros Estados. “Chegou a um ponto em que nós pensamos o seguinte: estamos fazendo uma Constituição quase chegando ao final do século XX, uma compilação, então temos de ousar e inovar. E ousamos”, disse Bianco.
“Naquela época não se falava em meio ambiente. Então tivemos preocupação com essa questão, com a preservação do ecossistema, foi matéria de ampla discussão. Incluímos meio ambiente”, diz, citando como “brutal inovação, iniciativa extraordinária mesmo”, a concessão de autonomia financeira e administrativa ao Ministério Público.
De fato, a Carta Magna de 83 atribuiu ao governador do Estado, “respeitada a legislação federal”, legislar sobre a preservação do meio ambiente. Está no artigo 9º, inciso VI. A autonomia concedida ao Ministério Publico rondoniense está no artigo 85. “Essa autonomia não existia em nenhuma outra constituição, foi algo inédito, e só passou a existir a partir de 1988, com a promulgação da Constituição Federal.”
Decisão abala a confiança de Teixeirão
A ousadia de garantir autonomia para o Ministério Publico abalou a confiança do governo Jorge Teixeira no presidente da Assembleia Constituinte, que até então gozava de “confiança total” por parte do governador, “coronel muito popular, possuidor de um carisma extraordinário, muito simpático, um grande governador.” A relação com o governador esfriou. Jorge Teixeira não concordava com a autonomia, e Bianco conta que o presidente do Tribunal de Justiça, Fouad Darwich Zacharias, de quem Teixeirão era muito próximo, também não.
“Chegamos a temer alguma coisa. Primeiro vivíamos num período militar, poderia ter havido uma recaída, uma revertida por aqui do clima de abertura que se traçava. Em Brasilia estava no comando o general Figueiredo e aqui o Teixeirão. Mas a verdade é que não sofremos pressão praticamente. Trabalhamos com muita independência e liberdade”, diz.
Entusiasmo e esperança suplantam dificuldades
Dos 24 deputados constituintes, 15 tinham nível superior, mas poucos, cinco ou seis, nas contas de José Bianco, tinham alguma experiência administrativa ou legislativa. Amizael Silva, Cloter Mota e João Dias, em Porto Velho, Heitor Costa em Minas Gerais e Zuca Marcolino em São Paulo. O médico Jacob Atallah tinha sido prefeito nomeado da capital rondoniense.
“Vivíamos um momento de muito entusiasmo, otimismo e esperança. Acho que o entusiasmo e a vontade de acertar suplantaram as dificuldades, a falta de experiencia. E na verdade nós tivemos um bom assessoramento. Desde o início a União Interparlamentar, presidida por um deputado de Santa Catarina, que se tornou amigo nosso, veio com alguns assessores, procurador. Na presidência, procuramos formatar logo nosso regimento, ouvir advogados, gente mais experiente”, diz.
Os constituintes contaram ainda na elaboração da carta magna com o constitucionalista da Bahia Josaphat Marinho, posteriormente senador contemporâneo de José Bianco, e professor Abnael Lima, na revisão, indicado por Amizael Silva. “Os 24 deputados efetivamente participaram da sua redação nas comissões. Acredito que, apesar da pouca ou quase nenhuma experiência, aqui no cantão de mundo fizemos uma boa Constituição, tanto que foi elogiada.”
Um veículo para cada deputado: oferta negada
O governo Teixeirao teve o cuidado de separar no orçamento recursos para se implantar o poder que nascia na nova estrela azul da União. Presidente eleito para dois anos, José Bianco procurou ter “bastante prudência” na gestão. Recusou oferta de fornecedor para que comprasse um veículo para cada deputado.
“A Mesa decidiu, e no meu mandato não compramos. Compramos 4 ou 5 veículos para atender a bancada do PDS, 3 salvo engano para atender o PMDB e outros 3 para atender setores administrativos”, conta.
Com a tarefa de equipar o novo poder, José Bianco passou a ser executivo também. “Eu tive que adquirir bens, mesa, cadeira, armário, tudo, e naquele tempo trabalhamos com muito critério. Me vi com muita responsabilidade, e muito trabalho”.
Comissão de Licitação da PM
“Quando assumimos o governador Teixeira tinha tido o cuidado de reformar um hospital antigo, desativado, mas ele tinha completo somente o plenário, e nada mais. Nenhuma cadeira, nenhuma mesa, nenhum papel, nenhuma caneta. Então no começo pegamos cadeira, mesa emprestada, não tinha documento dizendo que existíamos, não tínhamos quadro nem comissão de licitação”, relata.
A primeira coisa feita para equipar a Assembleia Legislativa foi emprestar uma comissão de licitação. Naquele tempo, praticamente toda secretaria tinha a sua. “Mas eu preferi, a decisão foi minha, que fosse a comissão da Polícia Militar. As primeiras aquisições da ALE de Rondônia foram feitas através da comissão de licitação da PM de Rondônia.”
O ex-governador José Bianco não lembra exatamente, mas acredita que seu primeiro ato foi criar um quadro de profissionais nomeados, cerca de 200 acredita, até fazer o primeiro concurso público. Aliás, o único em mais de 30 anos.
O PMDB não leva a relatoria
A divergência mais contundente com o PMDB foi a nomeação do relator geral. “A primeira grande divergência foi aí. O Amizael Silva, da nossa bancada, insistiu, o PMDB pleiteou esse cargo para o Amir Lando, e nisso daí não acertamos muito fácil não. Eles iniciaram fazendo um relatório paralelo, demorou pelo menos duas semanas, até esfriar um pouco. Quase metade do tempo do trabalho constituinte ficou nessa discordância. A alegação deles (PMDB) tinha bom sentido. Porque eu já tinha sido eleito pelo PDS o presidente da Constituinte. Eles queriam a relatoria. De fato é assim que funciona, mas Amizael ganhou.”
A cara virada do governador
Por causa da autonomia do Ministério Público, a festiva noite de 6 de agosto de 1983, data da promulgação da Constituição, teve a “cara meio virada do governador.” “A semana que precedeu este evento, e essa noite, foram a mais angustiante e preocupante para mim. Presidir uma sessão dessas com a presença de dois ministros, do representante da Presidência da República, dos candidatos Paulo Maluf e Mário Andreazza e a bancada federal. Tudo foi um aprendizado profundo, e que teve sequência na minha vida pública.”
Está na memória de José Bianco o que disse o representante do presidente da República, ministro da Justiça Ibrahim Abi-Ackel – que o estado de Rondônia passava a existir a partir daquele momento. Durante mais de um ano, o governo legislou por decreto, estava manca a tríade de poderes.
“Certamente Teixeirão não gostou muito, mas o que disse o ministro é verdade. Então, é por isso que o registro da passagem do 6 de agosto é importante. Faço meus cumprimentos ao Laerte (Laerte Gomes, presidente do Legislativo) e companheiros da Mesa por esta lembrança. No meu entender, é algo importante, eu vejo isso primeira vez,” agradece o ex-governador José Bianco.