Muito mais aflitivo do que a incerteza do grau de contaminação e número de infectados em um futuro bem próximo, pelo coronavírus, é o oportunismo que se observa quando se constata a enxurrada de ações judiciais que chegaram ao Supremo Tribunal Federal (STF) relacionadas à pandemia, partindo de prefeituras, partidos políticos, entidades de classe, setores empresariais e muitos outros.
Até 9 de abril, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, contabilizou 806 processos vinculados ao coronavírus, categorizados da seguinte maneira: 603 habeas corpus, 26 ações diretas de inconstitucionalidade, 30 reclamações, 26 mandados de segurança, 21 petições, 20 ações cíveis originárias, seguidos de manifestações de liberdade em processos de extradição, ADPFs, entre outros.
Tem de tudo, desde pedido de suspensão das dívidas de estados e municípios até questionamento de decisão local que impediu a circulação de idosos em São Bernardo do Campo (SP) – pasmem! – e o funcionamento da indústria do Piauí.
Ao anunciar o balanço Dias Toffoli disse que os juízes precisarão ter um filtro para conseguir separar o joio do trigo, ou seja, separar demandas oportunistas daquelas que são realmente importantes para o cidadão. Sem reparos.
Partidos geralmente são experts em produzir peças de efeito midiático, entretanto sem amparo legal por parte da Corte, o que revela oportunismo, próprio da atividade política mas inaceitável em uma crise, mais nem todas elas enveredam por este caminho. No primeiro caso enquadra-se o pedido da Rede Sustentabilidade para que o STF definisse o “valor mínimo apto a garantir a existência digna dos brasileiros,” algo que compete aos poderes Executivo e Legislativo.
A medida foi também uma tentativa de judicializar a política, o que é recorrente no Brasil, mas no dia 15 o ministro Marco Aurélio indeferiu a ADO (Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão). No segundo a ação do Podemos foi acertada ao pedir o fechamento de aeroportos, medida que se adotada de imediato pelo governo federal teria evitado mortes e muitos conflitos no âmbito do executivo.
O vírus da discórdia que se concentra basicamente entre privilegiar e proteger a saúde dos cidadãos ou proteger a economia atinge não apenas a esfera mais alta de justiça mas todas as instituições judiciais do país. E, o mais escancarado, opõe o próprio governo, com o presidente do país na contramão do mundo e seu ministro, clamando por paz para trabalhar com foco na ciência e no planejamento.
Por aqui, só nesta semana a saúde pública teve duas vitórias, ainda que provisórias (liminares), quando a Vara da Fazenda Pública atendeu o Ministério Público e suspendeu parte da eficácia do último decreto do governador Marcos Rocha e mais recente o decreto do prefeito Hildon Rocha que estabeleceu a retomada das atividades comerciais.
A enxurrada de ações num vai e vem nocivo à sociedade tem focado preocupação sobretudo na economia, pelo menos indica o boletim “STF – A Judicialização da Crise“, produzido pelo escritório Ayres Britto Consultoria Jurídica, relevância sem dúvida pertinente, até porque antes do coronavírus entrar no Brasil já vivíamos indicadores negativos no setor, sem crescimento e emprego.
Duro é perceber que em todo lugar sobra ansiedade, necessidade de agradar a opinião pública, gerando documentos oficiais falhos, e decisões que deixam o bom senso distante e a sociedade, parte dela desobediente, à deriva em quedas de braço que só atrapalham a superação desse momento.
O juiz Audarzean, por exemplo, não poderia pedir ao prefeito o embasamento técnico para ter editado o decreto antes de na canetada da madrugada ter impedido a reabertura do comércio? O pedido seria pertinente já que ele se mostrou preocupado com a situação dos trabalhadores, e em seu despacho consta que Hildo Chaves não teria observado exigências do decreto estadual.