Assessoria STF e Blog da Mara
O professor do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP),climatologista Carlos Nobre, disse nesta segunda-feira, 26, na audiência pública promovida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o Fundo Amazônia, suspenso desde que o governo Bolsonaro decidiu extinguir o comitê de gestão do fundo, que a região amazônica precisa de um novo modelo de desenvolvimento, pois a continuidade do atual modelo coloca a estabilidade climática do país e do planeta em risco.
De acordo com ele, é necessário buscar uma nova economia com base no maior potencial da Amazônia, sua biodiversidade, que tem maior viabilidade econômica que a retirada da floresta. Ele lembrou que o país tem grande disponibilidade energética e não é mais necessária a construção de grandes hidrelétricas, que prejudicam o equilíbrio dos sistemas aquáticos naquela região.
Carlos Nobre observou que, com os avanços atuais da ciência, é inconcebível que se tenha hoje um modelo de desenvolvimento com base no desmatamento, como o que foi adotado na década de 1970, durante o regime militar.
A audiência pública, coordenada pela ministra Rosa Weber, relatora da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 59, patrocinada por partidos de oposição que apontam omissão do governo na gestão do Fundo Amazônia, bancado por Alemanha e Noruega, desde que foi criado, em 2008, começou na sexta-feira, 23, e foi concluída nesta segunda-feira, 26, com a participação de representantes de instituições de pesquisa, especialistas em clima e órgãos de monitoramento. Também participaram o advogado-geral da União, José Levi Mello do Amaral e representantes dos 9 estados da Amazônia Legal.
Desmatamento cai e produção sobe
Nobre e outros especialistas disseram que não existe relação direta entre o crescimento da produção agropecuária e o da taxa de desmatamento. Ele observou que, de 2004 a 2016, houve queda do desmatamento, ao passo que a produção de carne e soja dobrou. Segundo ele, isso prova que a economia com base na agricultura tradicional pode ser bastante produtiva e que o desmatamento pode cair para próximo de zero.
Fundo: recursos gearam sistemas de monitoramento
O professor Departamento de Física Aplicada da USP e ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Ricardo Galvão, afirmou que os projetos desenvolvidos no instituto com recursos do Fundo Amazônia foram fundamentais para aperfeiçoar os sistemas de monitoramento da Amazônia. Um deles permitiu estender o monitoramento aos Biomas Caatinga, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal.
A aprovação dos projetos foi feita a partir estudos técnicos detalhados, que passaram pela análise de avaliadores externos ao Inpe e ao BNDES, que gerencia o repasse de recursos.
O professor de Gestão Ambiental, Estudos Sociais e Tecnologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Raoni Rajão afirmou que a criação de unidades de conservação (UC) e terras indígenas (TI) em locais estratégicos tem relação direta com a contenção do avanço do desmatamento. Ele observou também que a utilização de instrumentos de controle e fiscalização continua sendo importante, pois ainda que demorem a ser pagas, as multas têm efeito de dissuasão sobre o produtor, pela possibilidade de proibição de venda de produtos a partir da lavratura do auto de infração.
Rajão apontou a existência de diversos estudos que demonstram que a titulação de áreas é um fator de incentivo ao desmatamento. Segundo ele, além da falha do Incra em controlar o desmatamento ilegal nessas áreas, como o custo da prática é alto (cerca de R$ 1 mil por hectare), em geral os proprietários optam por gastar apenas quando têm a garantia de propriedade da área.
Teto de gastos
A representante do Observatório do Clima, Suely Guimarães, afirmou que cerca de 60% dos recursos do Fundo Amazônia foram destinados a órgãos públicos. De acordo com ela, o percentual só não foi maior porque a Emenda Constitucional que implementou o teto dos gastos públicos não tem exceção para doações a fundo perdido, o que fez com que alguns órgãos públicos tivessem dificuldades para o recebimento de recursos. Segundo ela, doações a fundo perdido não deveriam ser computadas como gastos públicos, pois sua origem não é o orçamento da União. De acordo com a especialista, que exerceu a presidência do Ibama durante o governo Temer (2016 a 2018), haveria cerca de R$ 2,9 bilhões disponíveis para novos projetos.