Ex-presidente petista permitiu que o Incra legalizasse áreas de até 1.500 hectares sem licitação.
Vejo com o intuito de endurecer a legislação a ideia divulgada pelo jornal Estado de São Paulo, em gestação no âmbito do Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL), de se expropriar propriedades que reiteradamente descumprem a legislação ambiental e/ou que existam a partir de fraude fundiária, a chamada grilagem, muito comum em terras públicas da União.
Outra proposta é reter recursos federais obrigatoriamente repassados a municípios, para aquelas cidades que mais promovem desmatamento e queimadas ilegais.
Como se sabe, o CNAL é presidido pelo vice-presidente Hamilton Mourão. É ele quem recebe toda a pressão de países europeus e de outros continentes a respeito das políticas para proteção e uso sustentável da Amazônia. E, imagino que os minguados leitores deste Blog também saibam que o Conselho já existia, mas dele foram retirados os assentos dos governadores da Amazônia Legal. Nada surpreendente, é a feição autoritária do bolsonarismo, latente na estrutura governamental.
Por estes dias, Mourão levou comitiva de diplomatas para conhecer três dos nove estados da Amazônia Legal, como tentativa de melhorar a imagem da gestão federal do país, mas o fato é que, passados dois anos de governo, até agora é inexistente uma política de preservação e desenvolvimento equilibrado para a região. Pelo contrário: o que existia de aparato de fiscalização desapareceu logo com a feição administrativa desenhada e posta em prática a partir da posse de Bolsonaro.
O presidente não gostou da notícia que veio à tona por meio do Estadão. Reagiu nesta quinta-feira, 12, como de costume, pela rede social, e como de costume atacando o mensageiro: “Mais uma mentira do Estadão ou delírio de alguém do Governo. Para mim a propriedade privada é sagrada. O Brasil não é um país socialista/comunista”.
Uau, penso eu. Bingo! Que genial. Descoberta a pólvora. Mas quando convém, e há farta cronologia da conveniência, o Brasil está mergulhado numa “ideologia nefasta”, repete Bolsonaro, em alusão ao comunismo/socialismo.
Com meus botões, imagino que um de seus apoiadores da elite agrária deve ter se contorcido com a ameaça – ainda que muito distante, pois há um histórico para antever que esse ensaio do CNAL não irá prosperar – de perder alguma propriedade obtida ilegalmente na Amazônia. Incomodou o presidente, que de imediato taxou de “delírio” uma ideia em discussão.
Ora, amigos, essa manifestação de Bolsonaro desconsidera que o vice Mourão está encurralado por bancos, setores do agronegócio que serão afetados em suas exportações caso a Amazônia não seja protegida, governos estrangeiros, pela cobrança para cumprimento do Acordo de Paris, pelos ambientalistas e pelas instituições ambientais do Brasil.
Para evitar vazamento de informações que tanto irritam Bolsonaro, o governo deveria ser orientado a dar declarações apenas quando um projeto, plano ou proposta estiverem redondas, prontas para ser despachadas para o Congresso Nacional, o que evitaria “a urubuzada”, em permanente plantão no Palácio do Planalto e ministérios, cumprir com o sagrado direito e dever de informar à sociedade sobre os passos do governo.
Bolsonaro disse mais: que essa proposta em estudo é uma tentativa de desgastá-lo perante os ruralistas, e que irá demitir quem ousar levar isso adiante. Ele é chefe do governo, tem o direito de nomear e despachar quem quiser, quando quiser.
O que não dá é desconhecer a gravidade e dimensão do problema fundiário nacional. E a grilagem das terras públicas na Amazônia revela apenas uma faceta da situação. Uma vertente robusta, aliás: é que na região, de acordo com o geografo Ariovaldo Umbelino Oliveira, estão mais de 168 milhões de hectares de terras públicas, devolutas ou não.
Uma substantiva parte das terras públicas teve sua apropriação privada estimulada por políticas governamentais, desde o governo Getúlio Vargas, e nos dias atuais pelo estímulo à expansão da pecuária e da soja, sendo oportuno lembrar que a Amazônia Legal representa a última fronteira existente para essa forma tradicional de “desenvolvimento.”
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva avançou nessa política de apropriação privada, legalizando a grilagem. Por meio da lei 11.196, de 2005, legalizou terras griladas até 500 hectares, e depois, com a Medida Provisória 422, convertida na lei LEI Nº 11.763, DE 1º DE AGOSTO DE 2008., autorizou o Incra a dispensar de licitação a alienação dos imóveis públicos da União com até 15 módulos fiscais (1500 hectares) na Amazônia Legal.
Na época, a MP 422 foi chamada no abaixo-assinado de entidades não governamentais de Programa de Aceleração da Grilagem, uma alusão ao PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). E é mesmo.
Como se vê, o boçal extremista de direita Jair Bolsonaro tem muito em comum com o “comunista” Lula: a Amazônia Legal não passa de uma grife valiosa para lustrar os interesses milionários de certa elite rural, que ao longo de décadas se mobiliza politicamente para impedir, com sucesso, que os governos ajam sobre terras que não lhes pertencem, com o intuito de dar destinação justa à terra, fincando no país em definitivo a tão sonhada reforma agrária.