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A ética do privilégio: o caso Moraes e a correta posição da PGR

Moraes virou assistente de acusação de processo em que é vitima, na fase de inquerito: um privilégio nunca dado nem a presidente da República, que Elizete Ramos quer derrubar.
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: Carlos Moura/STF.

Caso a procuradora-geral interina da República Elizeta Maria de Paiva Ramos tenha vontade genuína de continuar no cargo e contribuir com o Brasil suas chances são agora muito mais remotas de ser nomeada por Luiz Inácio Lula da Silva.

É que a procuradora, nesta segunda-feira, 30, apresentou um recurso contra a decisão do ministro Dias Toffoli que autorizou o colega ministro Alexandre de Moraes a atuar como assistente de acusação no processo que investiga suposta agressão sofrida por Moraes e seu filho no aeroporto de Roma.

Toffoli achou pouco e autorizou também a esposa e os três filhos de Moraes a atuarem no caso. Não são mais vítimas apenas, são agora também assistentes na investigação: o processo está em fase de inquérito, e o que Toffoli – merece um capítulo à parte sobre decisões que isoladamente proclama – autorizou é, como diz a procuradora, “privilégio incompatível com o princípio republicano.”

E o que tem a ver Luiz Inácio com o imbróglio de Moraes em sua viagem ao exterior, cheio de privilégios em um processo iniciado em instancia indevida? Ora, ele é o presidente que, goste-se ou não do que com clareza aqui é dito, está absolutamente enredado com os passos erráticos de vários ministros da Suprema Corte, a maior parte indicada pelo petismo.

Preso a uma rede de favores de mão dupla tecida há muito tempo dentro do STF. E, recentemente, no auge da “derrocada” da democracia, até mesmo Moraes – indicado por Michel Temer, vice de Dilma Rousseff –, antes execrado e xingado pelo PT, se tornou o  idolatrado maestro das decisões jurídicas que fortalecem o ideário político da esquerda, aspas a vontade, não sem cometer abusos de variada e infinita grandeza e ordem.

Esse inquérito, aliás, é um abuso estupendo desde o começo.

Evidente é que ao denunciar a ética do privilégio de que Moraes se assenhora com apoio daquele que extirpou os acordos de leniência beneficiando empresas corruptas que no conchavo do clube de empreiteiras tinham modus operandi próprio, até com estatuto, para se beneficiar de suculentos contratos da Petrobras, Elizeta Ramos será rifada de uma possível possibilidade de permanecer no cargo.

No recurso que a procuradora-geral interina apresentou, de 45 páginas, ela se insurge contra o privilégio do ministro Moraes de figurar como assistente de acusação, contra o sigilo imposto ao inquérito – demonstra cabalmente indevida razão de existir – e contra a sonegação imposta ao Ministério Público da mídia que veio da Itália, resultante de gravação do entrevero com o ministro no aeroporto Leonardo da Vinci.

A mídia, vejam que ousadia, não foi incorporada aos autos do processo como deveria, graças à obra de Toffoli, um favor e tanto a Moraes, cabendo à defesa dos acusados de agressão ao ministro tão somente acessarem em local indicado pelo STF, em horário determinado e sem que se possa copiá-lo.

Mais: ao Ministério Púbico, autor da ação penal, as imagens existentes foram sonegadas.

Diz trecho do recurso: “A mídia contendo as gravações captadas pelo circuito de câmeras do Aeroporto Internacional Leonardo da Vinci, em Roma, na Itália, é parte integrante da Cooperação Jurídica Internacional com a República da Itália, prova produzida no curso da apuração criminal que vem sendo materializada neste inquérito, já analisada pela Polícia Federal, cujas constatações foram formalmente documentadas neste procedimento investigatório, conforme se observa da supracitada Informação de Polícia Judiciária.”

Mais: “Não se pode restringir o acesso à prova ao Ministério Público. Não há fundamento constitucional ou legal para tal restrição. Em verdade, caracteriza violação à titularidade da ação penal pública (art. 129, I, da Constituição Cidadã).”

A alegação do inexpugnável ministro é a de que o conteúdo disponível apenas às partes e às pessoas (peritos) indicados pela autoridade policial do inquérito é baseado na compreensão de que “as imagens interessam unicamente às investigações e devem ser respeitados os direitos à imagem e à privacidade dos envolvidos e terceiros que aparecem nas filmagens.”

Elizeta e a vice procuradora Ana Borges Coelho Santos lembram que a própria Informação de Polícia Judiciária nº 004/23 – DIP/PF, produzida pela Diretoria de Inteligência Policial da Polícia Federal e acostada aos autos, “compilou 140 (cento e quarenta) imagens extraídas dos arquivos com as filmagens de videomonitoramento obtidas pelo circuito de câmeras do aeroporto internacional, nas quais é possível notar a presença dos potenciais agressores e vítimas e de terceiros, incluindo menores de idade.”

“A maioria das cenas também não ocultou a imagem dos demais presentes não diretamente envolvidos nos eventos sob investigação. Se não bastasse, parte dessas imagens foi amplamente publicizada pela imprensa nacional,” continua, ao final pedindo que para se levante o sigilo da mídia e junte o conteúdo aos autos do inquérito.

“Não existem, no particular, atos da vida privada que justifiquem a manutenção do sigilo dessas gravações,” realçou a procuradora.

A procuradora da República cita decisões sacramentadas pelo próprio Supremo a respeito da publicidade em casos penais, e no caso da figura de assistente de investigação, apoiada na Constituição e juristas, diz que na “na arquitetura jurídica do inquérito, não há figura do assistente de investigação.”

“Nem é possível dotar com esse privilégio especial quaisquer das autoridades com foro por prerrogativa de função nessa Suprema Corte, enumeradas no artigo 102, inciso I, alíneas “b” e “c” da Constituição Federal (o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros, o Procurador-Geral da República, Ministros de Estado, os Comandantes da Forças Armadas, os membros dos Tribunais Superiores, do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente),” destacou.

A procuradora afirma não se ter notícia de precedente de admissão de assistência de acusação na fase inquisitorial de um processo, ou seja, ainda em investigação, sem que tenha sido formulada qualquer denúncia.

“Tal privilégio jamais foi admitido para quaisquer das autoridades acima elencadas, nem mesmo para o Presidente da República.”

Toffoli, com base no artigo 268 do Código de Processo Penal, admitiu as vítimas Alexandre de Moraes, Viviane Barci de Moraes, Gabriela Barci de Moraes, Alexandre Barci de Moraes e Giuliana Barci de Moraes, como assistentes de acusação.

O artigo mencionado diz “em todos os termos da ação pública, poderá intervir, como assistente do Ministério Público, o ofendido ou seu representante legal”.

Porém, em fase de inquérito, é duvidosa que essa qualidade seja admitida a uma vítima privilegiadíssima. Não é ético.

É um privilégio concedido a alta autoridade, um ministro do STF, inadmissível em uma sociedade republicana.

No Brasil, infelizmente estamos de joelhos a um quadro mais do que endêmico: A ética do privilégio no Supremo Tribunal Federal (STF) se dá entre decisões corporativas e para fora, com ativismo político que ignora o normativo jurídico.

E essa mesma ética está nos demais poderes do Estado brasileiro.

O que desgraçadamente contribui para a assustadora desigualdade social espraiada no Brasil, o 10º (índice Gini) país mais desigual do mundo, atrás apenas de países africanos.

Recurso Elizeta Inquerito Moraes