A imagem negativa do STF, poder imperial com 11 ilhas impertinentes

A política entrou no STF, a desinibição em fazer parte desse mundo é escancarada.
Julgamento no STF ocorre em Plenário Virtual. Foto: Antonio Augusto.

Onze ilhas. Atuam laboriosamente na suntuosa sede do Supremo Tribunal Federal, STF, e desde a ocorrência do Mensalão crescem e aparecem espantosamente como um conclave absolutista, mandando como nunca, impondo um rito imperial aos outros poderes, especialmente ao legislativo.

O termo foi cunhado pelo ex-ministro do STF Sepúlveda Pertence. E as onze ilhas de produção isolada e substantiva, com possibilidades de ação ilimitadas, decidindo a vida da República brasileira, fincaram uma espécie de código para se interpretar como o tribunal funciona, ensejando uma sucessão de decisões individuais (monocráticas) e embates internos, crises de bastidores, conjunto retratado no livro Os Onze, dos jornalistas Felipe Recondo e Luiz Weber.

Esse código é um sistema descentralizado, com muito poder, destituído de um interesse real de articulação entre os pares para que o conjunto do Pleno seja o epicentro de decisão amadurecida e pilar da democracia em temas com aspectos cruciais para o poder político e organização da sociedade, como por exemplo o combate à corrupção.

Ponto em que o Judiciário maior do país escancarou o desmonte de toda luta para punir poderosos, especialmente dos últimos tempos, réus confessos da operação Lava Jato.

Uma única caneta derrotou ininterruptas e extensas horas de trabalho de agentes públicos durante anos, anulando multas e acordos lavrados sob a orientação de bancas de advogados endinheirados, íntimos da Corte que promove ela mesma a maior derrota de sua imagem, contando com apenas 12% de avaliação positiva, segundo o PoderData.

Gilmar Mendes segurou por quase 5 anos a ação de suspeição de Moro. Foto: Antonio Augusto.

Bem atrás, antes de Dias Toffolli ruir bastante mais a imagem da Corte e ignorar os recursos da Procuradoria Geral da República (PGR) – há 18 meses esperam por análise – às dezenas e dezenas de anulações feitas por ele, o ministro Gilmar Mendes por quase cinco anos engavetou o pedido de vista que havia feito sobre a suspeição do então juiz Sergio Moro.

Com que intuito paralisa ação dessa envergadura, com tantos embaraços e implicações judiciais e políticas, tempo, energia e nosso dinheiro?

Não há quem os impeçam.  Esse poder dos ministros que não fazem o que dizem, encastelados em ilhas poderosas, é o que os professores Diego Arguelhes e Leandro Rodrigues chamaram de “ministrocracia” em artigo publicado em 2018, mostrando como o processo de decisões judiciais transcorre na Suprema Corte numa intensidade surpreendente e numerosa de liminares individuais, provocando frequente perturbação institucional.

E isso vem ocorrendo desde o pós-Mensalão, com episódios mais intensos a partir de 2011 em sintonia com a onda e calor das ruas, com frequência particular para cada ministro a depender do entrosamento maior ou menor com redes sociais incorporadas ao seu cotidiano e colaboração em via de mão dupla com a imprensa, setor em que Gilmar transita para o bem e para o mal com grande facilidade.

A política entrou no STF, a desinibição em fazer parte desse mundo é escancarada.

Valentia constitucional e pouco apego à jurisprudência

Se expõem em demasia, quando a discrição seria regra inquebrantável. Dão palpites sobre candidatos eleitorais, tomam partido na polarização política infernal e se negam a prestar contas à sociedade de seus atos e estranhas conexões com figurões do mundo empresarial.

Desmontaram a Lava Jato, primeiro elogiada depois demonizada, e agora agem pior, exercendo perigosamente de modo individual o controle da constitucionalidade de leis aprovadas pelo Congresso via liminar. Manobram o regimento para que sua decisão sobreviva por liminar, sem chegar ao colegiado.

Subtraíram do STF uma prática que o falecido ministro Teori Zavasck, relator da Lava Jato, alimentava  – ação de coordenação prévia de votos dos ministros ou concessão de liminares para imprimir um caráter institucional, registram os autores de Os Onze.

“Essa atmosfera ministrocrática de valentia constitucional e pouco apego à jurisprudência e às decisões colegiadas,” registram, se tornou uma “patologia” que além do excesso de decisões monocráticas “se configura por pedidos de vista obstrutivos, feitos para interditar julgamentos em plenário.”

Luiz Fux paralisou a aprovação pelo legislativo do pacote das 10 medidas de combate a corrupção apresentadas pelo Ministério Público Federal; Gilmar Mendes impediu Dilma Rousseff de nomear Lula da Silva ministro da Casa Civil; Alexandre de Moraes suspendeu a nomeação de Ramagem para a PF; Marco Aurelio interferiu noutro poder e disse em 2018 que a eleição para a presidência do Senado seria com voto aberto, atendendo desafeto do candidato Renan Calheiros e, mais uma vez citando Fux, por três anos segurou pedido de vista feito no plenário de ação contra a concessão de auxílio-moradia para a magistratura. Detalhe: sua filha, desembargadora, era parte interessada na matéria.

Lamentavelmente, o presidente Luís Roberto Barroso enxerga como “acidente” os desacertos do STF- uma fração deles aqui relatada – que o colocam no descompasso da democracia que ele tanto se pavoneia de ter salvado do fascismo, e se nega a refletir sobre os rumos que imprime à Corte.

O maior degrau da justiça do Brasil é, por essência, refúgio de decisões colegiadas, assim prega a Constituição. E decisões colegiadas fortalecem o sistema democrático.

O que assistimos, no entanto, é o debate da argumentação jurídica e de afirmação da qualidade intelectual dos ministros e da capacidade argumentativa em defesa de uma tese, diversificados por sua composição no Pleno, capazes de assegurar direitos de uma maioria e respeito à Constituição, serem negligenciados e mesmo sabotados pelas ilhas.

O coletivo e afirmação da institucionalidade da Corte cedeu lugar à vaidade pessoal, ao subjetivismo e humor de cada ministro, às suas inclinações políticas e convicções doutrinárias, com o perigoso expediente de favorecer posições minoritárias da sociedade ou interesses danosos ao poder público.

O protagonismo judicial e certo grau de protagonismo político por parte de certos ministros são estimulados nesse sistema descentralizado que acaba gerando crises institucionais como temos assistido com maior tensão nos últimos anos.

Vimos a PEC do Senado limitar decisão monocrática, Gilmar Mendes xingar senadores de “pigmeus morais” e no fim o projeto empacar na Câmara, sem solução.

Todos perdem. E a imagem do STF lustrada negativamente também pela exibição de uma  estrutura sugadora de naco expressivo do orçamento público – proposta de R$ 1 bi para este ano –  só se reverterá quando a política, eloquentemente presente a partir da campanha eleitoral de 2022, sair do tribunal para dar lugar à Justiça.