A “condição milionária” de João Luiz Fukunaga, historiador que preside a Previ, assim qualificada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) ao anunciar no dia 9 que transformou um levantamento na bilionária Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil em auditoria, é porque ele faz parte do Conselho de Administração da Vale desde 2023.
O TCU ainda não sabe, ao menos foi o que disse quando divulgou a auditoria, com execução “o mais breve possível,” quanto ganha Fukunaga na presidência da Previ. Pouco não é certamente.
Fukunaga tem ganhos superiores a R$ 160 mil mensais na Vale, cerca de R$ 2 milhões ao ano, e sob sua gestão a Previ teve um prejuízo identificado de R$ 17,7 bilhões em 2024, isso após a imprensa trazer à tona informação sobre esse fato.
Aliás, o TCU ao justificar a auditoria por avaliação da existência de “indícios de irregularidades” na gestão da Previ, segue o rastro das várias denúncias feitas pela imprensa.
É escandaloso, no mínimo, que o maior investimento individual em novembro de 2024 tenha sido em investimentos de renda variável, de maior risco, em ações da Vale (Vale3), compondo mais de 36% da carteira da Previ nessa modalidade, “numa surpreendente concentração.” E isso com a constatação de queda no valor das ações da empresa.
Olha aí a possibilidade de um baita conflito de interesses instalado.
“Deve ser avaliada a correção ética e legal da ocupação, pelo atual presidente da Previ, desde 2023, de assento no Conselho de Administração da empresa,” diz o TCU.
“Deve ser averiguada se a manutenção do significativo valor investido pela Previ, de mais de R$ 20 bilhões, tem também por objeto proporcionar ao sr. Fukunaga assento no conselho e a extraordinária remuneração de mais de R$ 2 milhões de reais por ano, condição milionária que poderia ser perdida com a redução da participação da Previ na Vale,” continua o órgão de controle.
O que surpreende a mim e nem deveria mais, tanta é a patifaria na República da iniquidade e do patrimonialismo, é o TCU em dedos considerar se “objetivamente” essa remuneração milionária poderia “colocar em risco a imparcialidade do conselheiro da Vale e presidente da Previ, em relação aos interesses da empresa que preside e vice-versa.”
Evidente que por um mandamento ético, e fosse outro o país, nada precisaria avaliar. Não pode, acabou. Segue-se uma norma e pronto. Não pode acumular cargos em conselhos, fundos e presidências de estatais etc. Se pode, tem de acabar.
Não é correto. E no caso concreto, coloca-se em risco a seriedade que deve ser dada à proteção e aplicação segura e estratégica de R$ 300 bilhões que pertencem a milhares de pessoas.
A percepção da sociedade brasileira é de proteção das instituições, elas próprias, estamos claramente assistindo de braços cruzados, protegendo-se umas as outras.
O que temos assistido? A Comissão de Ética da Presidência da República servir ao executivo de plantão, não aos interesses do Brasil. Não propõe nada. Não se manifesta de forma contundente sobre acumulações claramente indevidas, indesejáveis à higidez da gestão pública.
A sua composição é extremamente ideológica e política. Não se tem notícia de alguma punição, censura que seja, a algum membro do atual governo. Há várias sanções a ex-colaboradores do governo anterior.
Carlos Lupi (Previdência) e Anielle Franco (Igualdade Racial) ocupam cargos em conselho da Metalúrgica Tupi – assunto que muito “entendem” – vinculada ao BNDES. Continuam lá, lépidos e faceiros, agraciados acima do teto constitucional.
Consta ainda que o historiador presidente da Previ ocupa assento no conselho da GRU Airports, responsável pelo Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, cujo acionista majoritário é o grupo Invepar, empresa em que a Previ possui o maior percentual do capital social.
O TCU diz ainda: “É imperioso avaliar o conflito de interesses existente na alocação de recursos em empresas que, em contrapartida, oferecem aos dirigentes da Previ vultosas remunerações de conselho, para simplesmente participar de uma e outra reunião administrativa. Ou se a elevação dessa remuneração e apanágios concedidos aos membros do conselho pode mesmo implicar ou estimular a tomada de posição contra os próprios interesses da Previ.”
O conflito de interesses está obviamente instalado quando se conjugam demasiada oferta de facilidades centradas numa só pessoa, ainda mais dirigente de uma caixa bilionária que gerencia planos – o TCU se debruçou sobre o Plano 1, o mais relevante.
Em seu voto, na sessão que resultou na aprovação de auditoria, o relator, conselheiro Walton Alencar Rodrigues disse: “Se o único objetivo da Previ deveria ser a rentabilidade do investimento, para o pagamento das aposentadorias e pensões dos seus participantes, ela não deveria prover pelo ostensivo enriquecimento pessoal dos seus quadros de direção.”
A auditoria também será realizada no Banco do Brasil S.A e na Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc).
A fiscalização vai analisar indícios de irregularidades identificados no levantamento inicial, como, por exemplo falhas nos procedimentos da Previ em relação a investimentos e desinvestimentos; irregularidades no processo de escolha e indicação de representantes para conselhos de empresas nas quais a entidade tenha investimentos; e inconsistências em processos de venda e locação de imóveis, item que merece um capítulo à parte.
A coisa é estranhíssima, até porque não era esperado da parte da Previ a estratégia de investimentos em imóveis, o que mudou após o levantamento do TCU.
A compra pela Previ do complexo hoteleiro Costa do Sauipe por bilhões de reais, depois vendido por pouco mais de R$ 140 milhões, é um marco algum tempo atras de uma gestão mal feita de ativos da Caixa de Previdência dos Funcionários do BB.
Dá para esperar algum resultado da auditoria? Quando se mantem na gestão de um fundo bilionário um profissional cuja representação feita questionando sua nomeação para o cargo por falta de requisitos foi considerada “improcedente” pelo próprio TCU, o ceticismo prospera.