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Amazônia: “Governo Lula capitulou diante de pressões internacionais,” diz Aldo Rebelo

"A Amazônia é uma grande promessa de solução para o Brasil, mas também uma grande promessa de dor de cabeça para a Defesa e área da Diplomacia porque é uma região muito cobiçada pelo mundo."
Aldo Rebelo foi ministro da Ciência e Tecnologia e da Defesa.Foto: Antonio Cruz.

O governo brasileiro sob o comando pela terceira vez de Luiz Inácio Lula da Silva está devendo e muito ao povo da Amazônia. São 30 milhões de habitantes, completamente ignorados no discurso do presidente no dia 5, consagrado ao Dia da Amazônia.

A agenda foi exclusivamente focada no que interessa aos Estados Unidos e Europa Ocidental, apontou sem meias palavras o ex-ministro Aldo Rebelo, estudioso e fascinado pela região desde menino.

“O presidente Lula anunciou uma série de medidas, de demarcação de novas áreas de terras indígenas, novas unidades de conservação, de ampliação de unidade de conservação já existente, de ampliação de terra indígena já existente, ou seja, todas elas medidas coerentes com a agenda dos interesses internacionais,” disse Aldo Rebelo ao falar por telefone com o Blog da Mara na última segunda-feira,11.

Em nenhum momento o presidente anunciou ação de qualquer ministério que fosse para atender carências da população da Amazônia, “com a maior taxa de mortalidade infantil do Brasil,” registra Rebelo, para quem o evento daquele dia coroou a exibição de um governo que “capitulou diante das pressões internacionais.”

“A Amazonia não existe para o governo brasileiro nos seus 30 milhões de habitantes, que vive com a maior deficiência de água tratada, energia elétrica, e a soberania sobre a região já é compartilhada pelo Brasil com países ricos por meio de organizações não-governamentais,” declarou.

Aldo Rebelo descreve a atuação dessas entidades de forma diferenciada nos Estados da Amazônia Legal, com estratégias distintas de atuação conforme seus objetivos em Rondônia, Amapá, Amazonas, Roraima e Pará, citados na entrevista, para bloquear o desenvolvimento. Na íntegra, a seguir, o que disse o ex-ministro, que conta com mais de 30 anos de atividade pública:

Blog da Mara – O governo lançou o Plano Amazônia: Segurança e Soberania que prevê ações para combate a crimes diversos na região. Consta do plano a criação de um centro de cooperação policial internacional, que não se sabe como funcionará. O plano foi apresentado em Brasília para representantes da União Europeia pelo Ministério da Justiça. Não lhe parece, ministro, ser o ápice de tudo que o Senhor tem falado sobre o aparato de segurança estar a serviço de estrangeiros, criminalizando as atividades produtivas na Amazônia?

Aldo Rebelo – A verdade é que o Brasil já compartilha a sua soberania sobre a Amazonia com outros países, via ONGs, que exercem um governo paralelo. Há dentro do governo Lula alguns ministérios que não são controlados por ele. O ministério do Meio Ambiente, dos Povos Indígenas e autarquias como o Ibama e Funai são controlados de fora, decidem contra a vontade do próprio chefe do Executivo, como foi a o caso da decisão do Ibama de proibir a perfuração de um poço experimental no litoral do Amapá, contrariando a posição da própria Petrobras e do Ministério de Minas e Energia.

Já é um sistema de soberania partilhada. No dia 5 de setembro, no chamado Dia da Amazonia, o presidente Lula anunciou uma série de medidas, de demarcação de nova áreas para terras indígenas, novas unidades de conservação, de ampliação de unidade de conservação já existente, de ampliação de terra indígena já existente, ou seja, todas as medidas coerentes om a agenda dos interesses internacionais.

O presidente Lula  não anunciou nenhuma medida para reduzir a taxa  de mortalidade infantil na Amazônia, que á a maior do país; nenhuma medida para reduzir a taxa de analfabetismo, a maior do Brasil; a taxa de doenças infecciosas que é a maior do Basil; o presidente não anunciou nenhuma medida para melhorar o sistema de saneamento básico da Amazônia, o mais baixo do Brasil, o fornecimento de água tratada para os 30 milhões de brasileiros que vivem na Amazônia, com a maior deficiência de água tratada e  de luz elétrica no país; nenhuma medida relacionada com o Ministério da Saúde, da Ciência e Tecnologia, investimento de conhecimento, geração de emprego, em nada disso.

É tudo voltado para a agenda do clima e do meio ambiente, dos Estados Unidos e da Europa Ocidental. Isso já não é a exibição de um governo que capitulou diante das pressões internacionais?

A Amazônia não existe para o governo brasileiro nos seus 30 milhões de habitantes que vivem com os piores indicadores sociais do país, as maiores taxas de violência. Então a posição do Ministério da Justiça não surpreende ninguém. Porque na verdade já existe essa soberania compartilhada.

Blog da Mara – E os governadores da Amazonia Legal e as atividades econômicas?

Aldo Rebelo – Os governadores da Amazonia em alguns casos governam nada. O que é que o governador de Roraima governa, se 80% das áreas estão sob controle da União, ou como terras indígenas ou como unidades de conservação e, dos 20% restantes, 80% já são destinados ao meio ambiente, por conta do Código Florestal e mais um pouco por conta das APPs (Áreas de Preservação Permanentes). Eu vi um cálculo numa exposição na  Assembleia Legislativa de Roraima que não chega a 6% a área disponível para atividade econômica, e agora o governo demarca mais novas unidades de conservação e  tem lá um pacote de ampliação de Terra Indígena para Roraima.

O Amapá não tem mais atividade econômica nenhuma, não tem nem mais 30 mil hectares de agricultura, ninguém se arrisca a criar uma vaca ou produzir um grão de soja no Amapá porque será demonizado pelos órgãos ambientais.

O Estado do Amazonas está lá, 95% do jeito que Deus criou. Toda a agricultura, a pecuária e toda a infraestrutura de tudo que é cidade do Amazonas não ocupam 5% do território. Tem cidades nessa linha de Porto Velho a Manaus, no sul do Amazonas alguma pecuária, que está em desorganização porque o jovem olha o pai, o tio, o parente, todos sendo perseguidos pelo Ibama, pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal. Quem vai querer ter alguma atividade econômica? Tem duas atividades criminalizadas na Amazônia.

Uma é o narcotráfico, a outra é a agricultura e pecuária. Sabe qual a diferença? É que a polícia está atrás da produtiva e o narcotráfico não tem ninguém da polícia para tomar conta, porque todo o aparato da PF, Funai, do Ministério do Meio Ambiente, do Ibama e da Força Nacional é contra os agricultores, essa é que é a verdade da Amazônia.

Blog da Mara – O senhor fala da existência de três Estados na Amazônia. O Estado paralelo das ONGs, o do narcotráfico e o oficial, do poder público constituído. A atuação das ONGs na Amazônia de muitas Amazônias é distinta em cada região, usa de estratégias diferenciadas?

Aldo Rebelo – As organizações não governamentais operam em um Estado razoavelmente antropizado, já com uma agricultura significativa, com uma pecuária também representativa, como é o caso de Rondônia, onde foi feita certa distribuição da propriedade da terra, onde foi feito um censo econômico e ecológico, de um determinado jeito. Com sua presença, operam para conter essa atividade econômica, operam para sabotar, criar dificuldade; vão tentar criar unidades de conservação, tentar demarcar novas terras indígenas, e onde há por exemplo minério elas operam para que não haja atividade de mineração.

Como é o caso evidente, ao menos, do município de Espigão do Oeste, onde está a Reserva Roosevelt, depósito importante de minério de diamante. As ONGs atuam para que o diamante não seja explorado economicamente. Claro que são explorados clandestinamente, ilegalmente, há muito tempo.

No sul do Pará, onde há uma atividade relevante de mineração, de pecuária, elas operam para conter essas atividades, boquear sua expansão. E onde não há atividade nenhuma, onde são o caso de boa parte da chamada Amazônia Ocidental, Amazonas e oeste do Pará, elas trabalham para demarcar essas áreas ou como unidades de conservação ou terra indígena para que nada seja iniciado nem de pecuária, nem de agricultura e nem de mineração, e mesmo onde existe a atividade de subsistência dos ribeirinhos elas trabalham para a desantropização.

Atuam para a remoção dessa atividade, mesmo que seja de subsistência, como eu vi recentemente andando pelo rio Xingu, onde um experiente piloto de voadeira disse: ‘Olhe nos últimos 20 anos provavelmente foi reduzido em 50% os ribeirinhos vivendo nas margens, nos vales dos rios da Amazônia.’ Operam com objetivos diferentes de acordo com a situação de cada Estado, de cada região, com o nível de desenvolvimento, de atividade, elas priorizam um tipo de ação ou outra.

Blog da Mara – O Senhor disse também que na fronteira com a Colômbia o grande empregador é o narcotráfico, deixou de ser a prefeitura, e todo o aparelho oficial de segurança está combatendo as atividades de subsistência. Desde quando começou a atuação das ONGs com todo esse poder, foi na década de 80, vem do Consenso de Washington?

Aldo Rebelo – A doutrina dessa política foi sendo gestada ali no fim dos anos 60 início dos anos 70, quando houve a conclusão por parte dos países industrializados, dos países ricos, do limite de disponibilidade dos recursos naturais essenciais para o desnvolvimeno econômico, principalmente petróleo, aço, outros minérios, borracha. Eles se reuniram e elaboraram um documento em 1972 cujo título era ‘Os limites do crescimento,’ que teve grande influência no mundo.

Aldo: No dia da Amazonia, governo não anunciou nada em beneficio da população. Foto: Antonio Cruz.

Já foi discutido inclusive na primeira conferência da ONU de Meio Ambiente, realizada em Estocolmo, Suécia, naquele mesmo ano. Causou grande polêmica na época porque a diplomacia brasileira percebeu qual era o movimento. E um dos mais experientes e respeitados diplomatas que tinha sido chanceler do governo João Goulart, e depois embaixador do Brasil na ONU e embaixador do Brasil nos Estados Unidos, o embaixador Araújo Castro, em uma palestra para estagiários da Escola Superior de Guerra cunhou a expressão o congelamento do poder mundial.

A leitura do Itamaraty era que o debate do meio ambiente nada tinha a ver com o meio ambiente, tinha a ver com excluir do direito ao desenvolvimento os países em desenvolvimento, o que ele chamou de congelamento do poder mundial. E o congelamento do poder mundial tinha todas as dimensões. A dimensão militar era dada pela não proliferação de armas nucleares.

Não havia a ideia de banir as armas nucleares, nem de torná-las um mal. Elas apenas seriam proibidas de estar nas mãos de países que não integrariam um grupo exclusivo, países nucleares.  Aí haveria também o monopólio da tecnologia, do conhecimento, da indústria e o monopólio das reservas naturais de energia para os países que já estavam desenvolvidos.

Isso foi ganhando contornos e uma agência do governo americano, a Usaid (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional), que trabalha muito próximo do Departamento de Estado americano e da CIA, concebeu a ideia de criar grandes unidades de conservação onde estivessem reservas de minérios, e que nos países em desenvolvimento essas áreas seriam imobilizadas e congeladas para ficar como reserva.

A ideia abrange congelamento das áreas indígenas também. Isso entrou no Ministério do Meio Ambiente via a presença de agentes desses interesses, desde a época do governo FHC, continuou no governo do presidente Lula, isso continuou no governo Bolsonaro, e isso continuou com todo mundo porque essas agencias já tinham sua burocracia operando de acordo com esses objetivos e esses interesses.

Criou-se na Amazonia um sistema de unidade de conservação absolutamente escandaloso, e multiplicou no governo FHC e governo Lula, quando houve uma grande ofensiva na criação de muitas unidades que veio também desde a época do presidente Collor, quando foi criada a Terra Indígena Ianomami.

Blog da Mara – Logo após a Cúpula da Amazonia, em Belém, ONGs como o Greenpeace e Observatório do Clima criticaram o governo brasileiro por não ter colocado no documento Carta da Amazonia a decisão de não explorar petróleo na foz do rio Amazonas, na Margem Equatorial. São raras as vozes, como a sua, que se opõem a essa interferência, naturalizada há mais de três décadas. Como o senhor ve esse comportamento dos nossos agentes políticos? É viralatismo, cooptação das elites do país?

Aldo Rebelo – No caso da Amazonia, há um profundo desconhecimento em todo país e no mundo. Ela está no centro do debate geopolítico por conta dessa agenda do clima, aquecimento global, e todos atribuem a ela um papel decisivo na emissão dos gases estufa, mas ninguém sabe o que é a Amazônia. O primeiro desafio é explicar a Amazônia para o Brasil, quando digo isso é para o sul e sudeste, que ignoram a Amazônia, e explicar para o mundo. Não é só um estoque de floresta tropical, tem 30 milhões de pessoas vivendo nela. É uma população maior do que Portugal, Bélgica, Holanda, não sei lá quantos países europeus, maior do que Paraguai e Uruguai somados. De antiga ocupação demográfica, pelo menos em algumas áreas, com atividade econômica já significativa.

O Pará é detentor do segundo rebanho bovino do Brasil, só atras de Mato Grosso. E o Estado de Rondônia tem atividade significativa: rebanho, produção de cacau, café, soja, milho, psicultura etc. Enquanto São Paulo ampliou suas exportações em 5% nos últimos 20 anos, Rondônia aumentou em mais de 200%; Pará aumentou mais de 100%; Mato Grosso também; Acre também mais de 100%. E as pessoas não sabem disso. Então é preciso explicar a Amazonia para o Brasil e para o mundo, mostrar a importância que tem para o Brasil e para o mundo além da questão ambiental.

Apoiado nas riquezas, na fronteira mineral, na biodiversidade e na fronteira agrícola da Amazônia o país pode se transformar sim num pais importante, relevante muito próspero e desenvolvido. É que as pessoas não têm conhecimento dessa realidade.

Blog da Mara – O Senhor irá lançar um livro sobre suas experiências na Amazonia, mais recentes e do passado. Gostaria de saber se as várias amazônias estarão representadas na obra, qual o foco dela, se já tem nome e quando será lançada.

Aldo Rebelo – O livro é constituído de uma parte que é a minha relação com a Amazônia. E por que estou escrevendo? Porque conheço a Amazonia desde o tempo de menino, quando foi reorganizada a União Nacional dos Estudantes, no fim dos anos 70. Fui designado pela comissão da UNE para viajar a Amazonia. E depois como deputado federal de seis mandatos por São Paulo, ministro de quatro pastas diferentes, presidente da Câmara dos Deputados, da Comissão de Defesa e Relações Exteriores eu sempre dei atenção muito grande para a Amazônia. Desde o grupo escolar, desde a preparação dos exames de admissão. Despois, outra parte do livro é uma crônica da história dos 500 anos de cobiça sobre a Amazonia, cobiça internacional, que começou antes da Amazonia ser conhecida.

Quando teve o Tratado de Tordesilhas, entre Portugal e Espanha, a Amazônia não era conhecida. Se imaginava que haveria estas terras e Portugal e Espanha tratam de dividir entre si a influência sobre o mundo. E depois os inglês, os espanhóis, os franceses, os holandeses falam de muitas tentativas de ocupação da bacia amazônica. Os espanhóis em primeira viagem, depois franceses, holandeses e ingleses não conseguiram dominar o vale do amazonas, e ficaram por ali cada um com sua Guiana. E vou contando episódios como o roubo das seringueiras, do pirara, e a última parte do livro é uma reflexão sore a atualidade. Pretendo lançar em novembro agora.

Por que é que a Amazônia está no centro do debate mundial? Não é somente por causa do clima, é porque tem a maior fronteira mineral do mundo, a maior reserva de energia do mundo, pelo menos a energia hidráulica, a maior reserva de biodiversidade, maior reserva florestal ao mundo.

Ou seja: tudo isso faz da Amazonia uma grande promessa de solução para o desenvolvimento do Brasil e uma também um grande promessa de dor de cabeça na área de Defesa e na área da Diplomacia porque é uma região muito cobiçada pelo mundo.

Perfil Aldo Rebelo

Político, escritor e jornalista

Seis mandatos deputado federal por São Paulo

Presidente da Câmara dos Deputados  

Ministro de Estado das pastas de Esporte, Ciência e Tecnologia e Defesa

Ministro Chefe da Secretaria de Coordenação Política

Secretário da Casa Civil do Estado de São Paulo

Vereador de São Paulo

35 anos de vida pública