O discurso de Lula da Silva no centro ansioso da transição nesta quinta-feira, 10, em Brasília passa certa ambiguidade. O petista indicou um afrouxamento da responsabilidade fiscal em nome da responsabilidade social, e questionou por que ter meta de inflação e não ter meta de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). A mensagem, da forma como foi construída, passou para o setor produtivo brasileiro, o mercado e a população em geral a percepção de que estas questões não podem estar associadas.
O populismo da esquerda – aspas à vontade – chega em nova jornada à Presidência com jeito, também, de pouco aprendizado. “Por que as pessoas são levadas a sofrerem por conta de garantir a tal da estabilidade fiscal desse País?” diz Lula. Percebem o populismo? Sofrimento e tal estabilidade!
Existe um quase consenso no parlamento de que honrar o Auxílio-Brasil em R$ 600, com adicional de R$ 150 por criança e correção do salário-mínimo é vital para acudir milhões de brasileiros, mas a forma de atender o compromisso encontra divergências, o que é natural, inclusive fora do legislativo, e não se pode alegar, como Lula fez, que a estabilidade fiscal interessa apenas ao mercado financeiro.
É cristalino também que atender a população com estas políticas e com programas que sofreram corte do atual governo, como o Farmácia Popular, são uma responsabilidade social que empresta ética de governar acima do atendimento ao mercado, que se retroalimenta dos juros e amortizações de uma dívida cada vez mais crescente no orçamento nacional. Mas se o novo governo até agora não disse como vai equilibrar receitas e despesas, não acena com medidas na economia que possam possibilitar a meta de crescimento desejada, a sociedade desconfia das intenções.
Há tom de moderação e equilíbrio quando Lula escalou para a transição da economia economistas desenvolvimentistas e economistas mais liberais, que fazem defesa de maior restrição do Estado na vida econômica nacional e rigor fiscal, que atuaram no combate à inflação colocando de pé o Plano Real, para o PT considerado uma “herança maldita” porque foi esta medida que catapultou Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Hoje o hegemônico PT deles se socorrem.
Mas além de moderação indica também uma ambiguidade, porque não estão claras as propostas no campo econômico, e se o populismo falasse menos no discurso desta quinta-feira, 10, Lula poderia ter feito um apelo maior para o crescimento do Brasil, apontando saídas para esse imperativo, do contrário nenhum fundamento que permita equilibro entre despesas e receitas será capaz de vingar adequadamente em uma possível reforma da lei do teto fiscal.
Há muito tempo o mercado reage mal, como agora reagiu à fala de Lula, de se modificar as condições para o teto de gastos porque pensa no dele. E o dele é engordar cada vez mais os bancos, corretoras, investidores que ganham dinheiro fácil, fácil, por conta de governos que facilitaram criminosamente a vida do setor financeiro mediante políticas nefastas, uma delas a de juros altíssimos, criminosamente acabando com a indústria nacional. Governos do PT entraram na lista com desenvoltura espantosa para quem se atribui do espectro da esquerda.
A hora de convencer banqueiros, associações de setores empresariais, sociedade civil em geral, elite empresarial e política de que é necessário mudar conceitos, adotar outras práticas, considerar algumas despesas como investimentos e não gastos, a lamúria de Lula hoje, foi a hora da campanha. Agora, o bicho está pegando, vejo Lula emparedado, mas a rota pode ser corrigida.