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Após voto a favor, petistas atacam regime fiscal por “dever com eleitores”

Naturalmente, lamentar não basta. Estar na base não significa se acovardar, sobretudo em momento crucial para o desenvolvimento econômico e social do Brasil.
Votação do regime fiscal. Petistas publicaram Declaração de Voto em forte ataque ao projeto. Foto: Pablo Valadares.

Petistas que não tiveram coragem de enfrentar o microfone do Plenário para defender voto no draconiano regime fiscal aprovado no dia 23 recorreram a uma medida prevista no artigo 182 do regimento interno da Câmara dos Deputados para deixar registrado o motivo da traição ao povo brasileiro.

É uma Declaração de Voto, à qual recorreu um punhado deles, e satélites do petismo, como o deputado Orlando Silva (PCdoB), relator do PL da transparência na Internet que transformou o bom projeto do senador Alessandro Vieira num frankenstein. É feita após a conclusão de uma votação, segundo diz o regimento.

Registrado no sistema virtual da Câmara, meio escondido, o documento é o mesmo, só muda a assinatura, e começa evidenciando que o objetivo do registro histórico é “deixar claro” que a votação ao projeto de lei complementar (PLP 93/2023) que instituiu o regime fiscal ocorreu “por lealdade ao presidente Lula e para manter a unidade da bancada.”

Deitam a seguir o sarrafo no projeto alterado pelo relator Claudio Cajado (PP-BA), sem que houvesse, é bom lembrar, contestação objetiva mínima que fosse deles próprios, dos partidos de esquerda e do ministro Fernando Haddad (Fazenda), que pareceu feliz com as mudanças, faltando só dizer que o deputado melhorou muito a redação.

Na democracia de fachada, o governo proibiu a base de fazer qualquer emenda, por exemplo uma que pudesse pôr a salvo a complementação pela União de recursos do Fundeb (Fundo de Manutenção e Valorização da Educação Básica) colocada no limite de despesas. Ruminamente, com exceção do PSOL e Rede, a base obedeceu.

Não desconheço ser regra inerente a quem integra base de governo seguir a orientação dele. Não é, entretanto, regra monolítica, imutável, sólida e destituída de julgamento e peso no qual se contrabalançam a consciência moral, juízo crítico sobre a proposta e lealdade aos eleitores e ao Brasil. A depender da iniciativa legislativa, é dever moral e intelectual a ela se opor, consciente de eventuais consequências partidárias. Era o caso dessa matéria.

Há registros vários de situações assim. Como na votação da reforma da previdência de Lula da Silva em 2003, que taxou inativos (de novo), propôs aumento da idade mínima para aposentadoria e regime especial para militares. Tudo que condenavam na proposta do governo anterior, de FHC. É sabido que os petistas mais rebeldes foram expulsos, fundaram o PSOL. Há os que ficaram, menos contundentes, mas também votaram contra. O mesmo aconteceu com a tentativa de reeditar a CPMF em 2007. Aprovada com alguns votos contrários da base, no Senado Federal foi derrubada.

Os que fizeram questão de documentar lealdade a Lula estão certos, e devem estar mesmo, de que basta “esclarecer as críticas” a um projeto que a Consultoria Técnica da Câmara disse ter algum êxito apenas se houver “aumento de receitas e controle do crescimento das despesas (obrigatórias e discricionárias)” para que tudo fique bem.

Aplacam a consciência, ficam limpos com o eleitor, e na próxima eleição o cidadão da bolha conformista irá garantir a recondução do parlamentar. O interesse é tão somente na proteção em que vivem, respiram, orbitam, a bolha do hegemonismo que ignora o restante do país. Cada um tem seu latifúndio de recompensa.

No relato das críticas, vejam só, torcem para que ocorra aumento de arrecadação! Deixaram o registro os deputados Luiz Couto (PB); Rui Falcão (SP); Waldenor Pereira (BA); Bohn Gass(RS); Joseildo Ramos (BA); Florentino Neto(PI); Ana Pimentel(MG); Natalia Bonavides (RN); Lindeberhg Farias(RJ); Juliana Cardoso(SP); Dandara(MG); Rogerio Correia(MG); Regine Bispo(RS); Pedro Uczai (SC) e Tadeu Veneri (PR). Eis alguns trechos da Declaração de Voto:

*Consideramos que o relatório Cajado agravou sobremaneira as normas de contração dos gastos públicos, limitando fortemente a capacidade do Estado de fazer justiça social e comandar um novo ciclo de desenvolvimento. Impõe ao País um crescimento dos gastos públicos inferior à média dos governos dos presidentes Lula e Dilma Rousseff, de 2003 a 2016, em uma situação muitíssimo mais grave, marcada pela ampliação da pobreza, da fome, da desindustrialização e do sucateamento dos serviços públicos. 

Por que não foram além do “direito democrático” de criticar? Não articularam a defesa de uma emenda, um destaque, não procuraram o ministro, o relator e a base para tentar um convencimento no intuito de rever o rigor do projeto nesse ponto?

*Todas as esperanças para escapar dessa armadilha contra o desenvolvimento passam a depender de um elevado aumento das receitas. Confiamos no trabalho e no compromisso do ministro da Fazenda, o companheiro Fernando Haddad.

Em outras palavras, dizem que confiam no ministro que patrocina o arrocho, limitando o crescimento do país, na tarefa de aumentar a arrecadação. Não há como elevar receitas a não ser aumentar impostos, ou fazer o Brasil crescer, prognóstico fora do horizonte de qualquer economista respeitado.

*Se já eram preocupantes os limites originais para o crescimento das despesas primárias, determinados por um teto de 2,5% na evolução anual acima da inflação, novas travas adotadas, como os chamados gatilhos, tornam o cenário ainda mais perigoso. Mesmo que sejam superadas as metas de resultados primários, apenas 70% do eventual saldo excedente poderão ser liberados como investimentos.

Concordam que os investimentos estão comprometidos, e mesmo assim votam contra o desenvolvimento. Nos governos anteriores de Lula, o crescimento das despesas primárias superou muito o máximo de 2,5% previstos agora, que nada são para o tamanho das demandas nacionais.

* No entanto, caso essas metas não sejam alcançadas, além do crescimento dos gastos cair para 50% de expansão das receitas, as demais punições previstas são draconianas, com evidentes reflexos negativos sobre os serviços públicos, como a proibição de realização de concursos e o congelamento dos salários do funcionalismo.

O texto fala por si só. É a capitulação plena do PT e aliados da “esquerda,” como o PDT, PSB e PCdoB, a vida toda embalados na causa do funcionalismo.

*As complementações do Fundeb e as despesas decorrentes do piso de enfermagem foram incorporadas, no texto do relator, aos limites fiscais. Sem essas exceções, os mínimos constitucionais da educação e saúde tenderão a comprimir ainda mais os gastos com outras rubricas orçamentárias, para baixo do crescimento médio estabelecido.

Deixo uma pincelada do parecer da Consultoria Técnica da Câmara dos Deputados: “A inclusão da complementação da União dentre as despesas limitadas pelo arcabouço fiscal obrigará a redução de outras despesas, inclusive em programas educacionais, como os da merenda e do transporte escolar, além do livro didático”. A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) diz que o texto aprovado piora ainda mais o programa de Temer (teto de gastos) e amplia a dificuldade de investimentos no ensino público e a execução do Plano Nacional de Educação (PNE). É dureza.

*É uma imprudência que o novo regime fiscal, segundo o relatório Cajado, seja essencialmente determinado por uma redução dura e imediata da dívida interna, ao contrário de estar voltado para o Estado comandar um robusto ciclo de desenvolvimento sustentável e crescimento da economia, com distribuição de renda, criação de empregos, desconcentração de riqueza e soberania nacional.

Tudo isso foi dito com muita propriedade pela economista Denise Gentil. Votar num projeto que anula as possibilidades acima é pusilanimidade histórica, e o eleitorado que sentirá os efeitos do rigor nas contas públicas que ultrapassa o controle de despesas e receitas primárias precisa rever a posição do seu voto nesses e em outros deputados que castigam o país.

*Lamentamos que ainda não tenha sido possível libertar o poder público do estrangulamento provocado pelos interesses do capital rentista, que busca subjugar o Tesouro ao pagamento dos escorchantes juros da dívida pública, às custas do empobrecimento do povo brasileiro e da sangria de nossa economia.

Naturalmente, lamentar não basta. Estar na base não significa se acovardar, sobremaneira em momento crucial para o desenvolvimento econômico e social do Brasil. Fazer discurso de um jeito e ação de outro para ludibriar eleitores é desprezível.

O que dizer mais? No triunfo da razão cínica, o petismo se rendeu à qualquer ação transformadora e, como sempre, dia sim outro também lança o veneno do vitimismo (estão culpando Lira), com apoio da intelectualidade e da força imbecil das redes, isso depois do governo ter liberado mais de R$ 1 bilhão para os deputados no dia da votação do regime fiscal. Inclusive para os do PT. Está tudo explicado, não?