Criado para tratar das ações de governo, grupo perde função original diante de ações de presidente.
Com informações da Folha de São Paulo
A personalidade intempestiva e o perfil centralizador do presidente Jair Bolsonaro esvaziam o Comitê de Crise para Supervisão e Monitoramento dos Impactos da Covid-19. Bolsonaro tem concentrado em si os anúncios de ações do governo de combate ao novo coronavírus.
Criado no dia 16, o colegiado perdeu a função consultiva para o qual foi formado. O esvaziamento do grupo foi sentido na semana passada, quando deixou de ter a atuação direta de ministros e passou a ser gerido por auxiliares com a criação do CCOP (Centro de Coordenação de Operações).
Em reunião no sábado, os ministros cobraram de Bolsonaro a necessidade de ter uma única voz para guiar para dentro e para fora as medidas contra a pandemia. No mesmo dia, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, sugeriu ao presidente um comitê de crise com poderes, a exemplo do que fez Fernando Henrique Cardoso durante o apagão elétrico em 2001.
Três episódios nas últimas duas semanas deixaram claro para técnicos e ministros ouvidos pelo jornal “Folha de São Paulo” que o colegiado perdeu força.
Um exemplo é a campanha de publicidade #OBrasilNaoPodeParar, que acabou não circulando oficialmente por decisão judicial e por ter recebido muitas críticas.
A campanha não foi discutida pelo comitê, que conta inclusive com um representante da Secom (Secretaria de Comunicação Social). Após a publicação de reportagens sobre o vídeo, a Secom negou a existência da campanha em nota.
O pronunciamento à nação feito pelo presidente no dia 24, terça-feira, foi outro exemplo de ação à margem do Comitê. No pronunciamento, Bolsonaro defendeu a reabertura de comércios e escolas. Ele contou com a ajuda do vereador Carlos Bolsonaro, seu filho, na elaboração do texto.
Outro momento em que o comitê não foi consultado foi quando o presidente, na quarta (25), anunciou que iria determinar que a população adotasse o “isolamento vertical”, deixando apenas idosos e pessoas com doenças preexistentes fora do convívio social.
“A orientação vai ser o [isolamento] vertical daqui para a frente. Vou conversar com ele [Luiz Henrique Mandetta, ministro da Saúde] e tomar uma decisão.”
Em entrevista à TV Bandeirantes, na sexta-feira (27), Bolsonaro foi questionado sobre a interferência no Ministério da Saúde. “Há um comandante no navio”, afirmou o presidente.
Originalmente formado pelos 22 ministros, presidentes dos bancos públicos federais e o representante da Anvisa (Agência de Vigilância Sanitária), a atuação do comitê ficou nas mãos de 32 representantes técnicos.
A coordenação saiu da mão direta do ministro-chefe da Casa Civil, Walter Braga Netto, escolhido por Bolsonaro como gestor da crise, e passou ao seu subordinado, o subchefe de Articulação e Monitoramento da Casa Civil, Heitor Freire de Abreu.
O esvaziamento do comitê já vinha sendo sentido desde sua criação, mas se acentuou nos últimos dias.