Brasil só começará a ter potencial de mudança se crescer de 4% a 5% ao ano, diz Ciro Gomes

Pedestista diz que os que estão no poder cometem crime de lesa pátria por nem ao menos tentar fazer mudanças de verdade.
Ciro Gomes: economia cresce de forma precária, medíocre e insustentável. Foto: Divulgação/OAB.

O ex-ministro e candidato à presidência da República em 2022 Ciro Gomes disse em sua primeira newsletter semanal, enviada a assinantes no domingo, 16 de julho, que o Brasil só começará a ter potencial de mudança, no que verdadeiramente interessa, se “alcançarmos taxas mínimas de crescimento entre 4% e 5% ao ano.”

No tópico “A economia brasileira está crescendo?” Ciro Gomes anota que sim, mas está “crescendo de forma precária, medíocre e insustentável,” não sendo possível avalizar a propaganda oficial de “robustez e sustentabilidade” quando se depara sobre o quadro geral do modelo econômico em curso.

Logo da newsletter de Ciro Gomes.

Nada menos do que 1,7% de 1,9% da taxa de crescimento vista como “euforia” para a propagada oficial foram produzidos pelo agronegócio, tão satanizado, lembrou Ciro Gomes, pelas “generalizações preconceituosas.”

Setor que segundo Ciro Gomes, incluindo até a ponta os serviços de transporte, responde por no máximo 25% da economia nacional. “Isso significa que os demais 75% do aparato produtivo brasileiro respondem por pífios 0,2% do crescimento.”

“Confirmado pela máxima que diz que os números não mentem jamais, significa que a economia que verdadeiramente emprega e gera renda pública está parada ou em queda,” diz ele, referindo-se ao incremento de investimentos em infraestrutura e serviços. O desemprego é renitente, com taxa de 8,6%.

O país cresce quando uma “loja nova abre e outra não fecha e quando uma indústria nova abre e outra não vai à falência.” Ciro Gomes afirma que para isso ocorrer é necessário que as famílias tenham mais poder de compra. “É preciso que tenham mais renda e mais crédito, e que o governo, no curto prazo, incremente seu investimento em infraestrutura.”

Um segundo ponto fundamental, afirma, é que haja um ambiente institucional estimulante e, no médio e longo prazo, toda a nação econômica ganhe produtividade. “Isso só é obtido com notáveis ganhos em educação, ciência, tecnologia, inovação e com a disseminação das práticas produtivas da economia do conhecimento entre todos os empreendedores. Em especial entre aqueles de nossas imensas periferias urbanas e rurais,” considera.

Uma terceira condição, explica o advogado e professor de Direito Tributário, é que haja idealmente uma total formalização da economia. “Em economês: formação bruta de capital alta – ou pelo menos em elevação – crédito acessível, ocupação da capacidade instalada ociosa do aparato produtivo, agregação de valor nos bens e serviços produzidos, entre outros,” destaca.

“Nada disto está acontecendo no Brasil! Ou acontece de forma marginal, episódica, insuficiente e insustentável,” afirma. Como é o caso, cita, de fazer promoção de venda de estoques de carros e de linha branca ou subsidiar passagens aéreas com renúncia de tributos. “Uma aberração falsamente simpática, porque a conta está sendo espetada nas costas do povão e da minúscula fração de nossa igualmente sofrida pequena burguesia.”

Na análise de Ciro Gomes, mesmo com a taxa de crescimento de 5% ao ano, para que o Brasil alcançasse o atual padrão de desenvolvimento humano da Espanha, país referência em seus estudos sobre o ideal de desenvolvimento com a mudança de modelo econômico considerando as condições existentes no Brasil hoje, descritas no livro Projeto Nacional – O Dever da Esperança, seriam necessários 30 anos.

“Este é o patamar a partir do qual a economia passa a produzir renda acima de eventuais ganhos de produtividade (está acontecendo hoje nas atividades melhor remuneradas e somente aí),” explica.

O pedetista mostra que só a partir do acima citado número de crescimento as receitas públicas poderão indicar melhoras substantivas no investimento em infraestrutura. “Hoje aplicamos menos de um terço do mínimo necessário só para dar manutenção ao que já temos, e especialmente no enfrentamento inadiável de um choque educacional, científico, tecnológico e de inovação (hoje aplicamos muito menos de um quinto do necessário para um País como o nosso de renda intermediaria e com tantos potenciais).”

Cabeça no forno e pés no congelador

Há uma estagnação da economia, e a base do erro de interpretação é a leitura apressada das estatísticas brasileiras na visão de Ciro. ”A coisa está tão fora dos trilhos que estamos medindo a temperatura de uma pessoa cuja cabeça ( agronegócio e mineração) está no forno, os pés ( indústria, construção civil, comércio e outros serviços) estão no congelador, e a tomada de temperatura se dá na altura da barriga.”

Segundo ele, para se chegar a 5% de taxa de crescimento é preciso atingir, ao menos, 21% de patamar de investimentos do PIB, uma realidade distante. “Nosso orçamento em vigor prevê menos de R$ 30 bilhões de reais como dinheiro destinado ao investimento. Por aí se tira o despropósito em que chegamos. Em seis meses, mais de metade de tudo o que o país tem para enfrentar todos os terríveis problemas são pulverizados sem nenhum critério e transparência, sem nenhum efeito na produtividade geral da economia ou na vida do povo,” diz, referindo-se às emendas PIX remanescentes de orçamento secreto para os parlamentares votarem a reforma tributária, Carf e outros projetos.

Ele critica o “casback” de bilhões do governo à indústria automobilística que chama de moribunda, o que nada mais é do que o “consumismo trágico via fisiologismo e lobbie” de um setor empresarial. “Esse dinheiro seria suficiente para “pagar por todas as cirurgias eletivas, dos que hoje vegetam em uma fila maior que um ano de espera. Sem falar das doenças graves, como o câncer, em que o tempo perdido decreta morte certa,” observou.

Agropecuária protegida dos juros

Ciro Gomes critica o que chama de neoliberalismo praticado ao extremo no Brasil, experiência única no mundo, que teima em desconhecer pelo menos três assimetrias. “Fecha os olhos para três diferenças críticas entre nossas condições nacionais de produzir e trabalhar versus a concorrência que enfrentamos no mercado nacional e no comércio exterior : custos e perfil do financiamento, sofisticação tecnológica e escala.”

Destaca que o empreendedor rural brasileiro é extraordinário mas não há nenhuma razão para supor que sejam melhores ou tão melhores que nossos empreendedores urbanos. O modelo que privilegia o setor “protegido dos aberrantes juros brasileiros por pesados subsídios públicos no crédito a ela destinados.”

“O fato é que sobre o agronegócio brasileiro a carga tributária efetiva é mínima ou quase nula, diferentemente da enorme carga sobre os setores formais da economia urbana (vale lembrar, indústria inclusive construção civil, comércio e serviços),” disse Ciro, não havendo indicativos de que com a reforma tributária isso será alterado.

“Só para se ter uma noção, a agricultura tem um crédito presumido de, no mínimo, 25% nos tributos sobre valor adicionado para descontar (tendo pago ou não) no imposto devido nas outras etapas entre produção e comercialização,” descreve.

Crime de lesa pátria

Ciro Gomes não deixa de ser Ciro Gomes ao apontar por duas vezes na newsletter o “conformismo asfixiante da sociedade civil” diante de meros arranjos superficiais, nos quais a solução dos problemas estruturais passa ao largo das políticas que o atual governo propõe ao Congresso Nacional, como a reforma tributária.

Ele volta a falar dos juros altos, aponta novamente a solução, e diz que o presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva se acovarda por ao menos nem tentar destituir Roberto Campos Neto do cargo de presidente do Banco Central, uma solução política, mesma exigencia para emplacar seu advogado pessoal Cristiano Zanin no Supremo Tribunal Federal.

“É o que é possível.” “isso é o que mais se ouve entre os que nos governam. Um vergonhoso álibi para a falta de projeto, para o governismo fisiológico e corrupto, para a falta de imaginação institucional ou pura e simplesmente para a covardia mais vergonhosa de sequer tentar. Sei que não é fácil. Mas não tentar é crime de lesa pátria,” diz.

Arcabouço fiscal e juros

Outro crime de lesa pátria bastante enfatizado por Ciro Gomes, desde antes da campanha eleitoral,  é o gasto com amortização e juros da dívida pública. “Por definição, tudo que o povo, via governo, paga de juros e que não abata o principal da dívida é gasto corrente, contabilmente igual ao que se gasta para manter um hospital, botar gasolina nos carros da polícia e pagar o material didático das escolas. Tudo isto está no filho bastardo do teto de gastos, o mostrengo ‘arcabouço fiscal,’ diz, não havendo limite alguma para esse gasto, ao contrário de áreas essenciais para a população, e que beneficia apenas 10 mil famílias rentistas poderosas.”

A newsletter aborda a reforma tributária, com críticas a um tempo demasiado longo para sua transição, especialmente quando Ciro fala do pagamento dos impostos no Estado do destino da mercadoria, onde o consumidor compra ou consome o produto, o que acontecerá de forma gradual, muito lenta, de fato concluindo somente em 2078 segundo ele. Ciro traz uma entrevista com o deputado federal Mauro Benevides Filho (PDT-CE), especialista em tributação e que participou do grupo de trabalho da Reforma Tributária.

Na saudação inicial aos assinantes da newsletter,  Ciro diz que abre espaço para continuar lutando “pelas mudanças estruturais que a nossa democracia eleitoral tem fracassado em produzir, registrando milhões de pessoas passando fome, vivendo nas ruas e os desempregados.

E, mais uma vez, como tem feito desde que passou a se manifestar após 100 dias de governo nos quais decidiu analisar o governo sem emitir opiniões, indicou ter desistido das disputas eleitorais. “Por tudo que vivi, perdi o apetite de submeter estas ideias ao embate eleitoral.”