Com exceção da BCG, vacinas da criança não alcançaram meta de cobertura, diz auditoria

Auditoria coordenada pelo TCU em todo o Brasil aponta perda estimada de 30 milhões de doses de vacinas e prejuízo de pelo menos R$ 413 milhões por vencimento das doses.
Sede do TCU em Brasilia. Foto: Agencia Senado.

Auditoria concluída pelo Tribunal de Contas da União (TCU) constatou que em 2023, primeiro ano do atual governo, nenhuma das vacinas do calendário da criança, com exceção da BCG (previne a tuberculose), alcançou a meta nacional de cobertura.

O relatório da auditoria foi divulgado na quarta-feira, 26, relatado pelo ministro Bruno Dantas. Em parceria com outros 20 tribunais de Contas do Brasil, a auditoria avaliou a gestão do Programa Nacional de Imunizações (PNI) nos três níveis de governo em 2022 e 2023.

O trabalho revelou falhas na adesão aos sistemas de informação e na gestão de estoques de vacinas, com perdas de pelo menos R$ 413 milhões por vencimento de doses, com perda estimada de 30 milhões de doses de vacinas. Foram identificados problemas nos processos de aquisição de vacinas.

O foco no calendário de vacinação de crianças se concentrou, a exemplo de auditorias anteriores, em cinco imunizantes, principais, mas não exclusivamente: Pentavalente, Tríplice Viral, Pneumocócica, Meningococo C e Poliomielite.

“Todos os 21 entrevistados das centrais estaduais e regionais estaduais reportaram a ocorrência de episódios de desabastecimento ou escassez importantes de vacinas do CNV da criança. Nas centrais municipais, 89,7% também relataram episódios de desabastecimento no período. Os casos de desabastecimento de vacinas mais citados pelas 21 centrais estaduais visitadas foram os da vacina Varicela (18 centrais), da Meningocócica C (11 centrais), da Tríplice viral (8 centrais) e da Tetraviral (7 centrais),” diz o documento.

O objetivo geral da auditoria coordenada foi o de avaliar a adesão dos estados e municípios aos sistemas de informação relacionados ao PNI, a estrutura da Rede de Frio (RF), a gestão de estoques e o abastecimento de vacinas. Foi priorizado o atendimento ao Calendário de Vacinação da Criança (CNV), com imunizantes aplicados em crianças menores de um ano e de um ano de idade.

Participaram sob coordenação do TCU equipes do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF), catorze tribunais de contas dos Estados do Acre, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Pernambuco, Piauí, Paraná, Rio de Janeiro, Rondônia, Roraima, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Sergipe, São Paulo), três tribunais de contas dos municípios dos estados da Bahia, de Goiás e do Pará e pelos tribunais de contas do município do Rio de Janeiro e do município de São Paulo.

As equipes dos tribunais de contas participantes da auditoria coordenada, com exceção da equipe do TCU, inspecionaram 222 salas de vacinação, bem como centrais de armazenamento de imunobiológicos sob gestão municipal (87) e estadual (32), de maio a julho de 2024.

No mesmo período, todos os coordenadores estaduais e 2.304 coordenadores municipais de imunização responderam a pesquisas eletrônicas. Foram entrevistados 15 coordenadores estaduais de imunização e 102 municipais, 22 profissionais em centrais estaduais/regionais de armazenamento, 87 em centrais municipais e 225 em salas de vacinação.

A auditoria examinou, ainda, documentos relacionados com o microplanejamento de 13 estados e 89 municípios, além de documentos de 205 unidades da Rede Frio nas instâncias estadual, municipal e local.

Resistência à vacinação

Para 22,8% dos coordenadores municipais de imunização pesquisados, o desabastecimento de vacinas seria um dos três maiores obstáculos enfrentados pelo município para alcance das coberturas vacinais. A opção ficou em terceiro lugar entre os obstáculos mais citados, “atrás da resistência ou recusa dos pais e responsáveis à vacinação (75,7%) e do déficit de recursos humanos para atuar nas salas de vacinação (26,6%).”

Doses reduzidas

Cerca de 28% dos coordenadores municipais de imunização pesquisados afirmaram que a causa mais frequente (sempre ou muitas vezes) dos episódios de desabastecimento de vacinas para crianças até dois anos de idade em 2023 e 2024 foi o recebimento de doses em número menor ao solicitado. Em segundo lugar, foi citado o atraso no recebimento das vacinas (7,9%). “Para os coordenadores estaduais de imunização, essas duas causas também são as principais,” diz a auditoria.

Segundo a auditoria, ao longo de 2023 o MS distribuiu vacinas em quantidades inferiores a 80% do solicitado pelos estados no acumulado do ano, destacando-se sete: Hepatite A, Hepatite B, Varicela, Meningocócica C, Polio VOP, Tetraviral, DTP.

“No entanto, os dados de solicitação de vacinas pelos estados e de distribuição pelo Ministério registrados no SIES (Sistema de Informação de Insumos Estratégicos) apresentam limitações de análise. Os estados podem não solicitar vacinas, quando já sabem que estão em falta, ou podem solicitar sempre as mesmas quantidades, de forma automática, sem dimensionar de fato as necessidades; ou o MS pode ajustar as solicitações em razão do aumento localizado do risco de ocorrência de alguma infecção, volume dos estoques nos estados, expectativa de recebimento de novas cargas de vacinas, solicitações dos estados fora do sistema para a realização de ajustes,” relatam auditores.

Os técnicos encontraram deficiências graves na Rede Frio. “A auditoria constatou falhas significativas na infraestrutura e na manutenção dos equipamentos de armazenamento. Ainda é expressivo o uso de geladeiras domésticas para o armazenamento de vacinas, contrariando as normas sanitárias. Além disso, constatou-se que mais de 70% das centrais e salas de vacinação avaliadas não possuíam contratos de manutenção preventiva,” diz o relatório.

Foram encontrados equipamentos com avarias, câmaras refrigeradas fora de uso e deficiências no controle sistemático da temperatura.

O TCU recomendou aos gestores a  necessidade de substituir geladeiras domésticas por câmaras  frias para armazenamento de vacinas e garantir a manutenção preventiva dos equipamentos, “para evitar variações de temperatura que podem comprometer a eficácia das vacinas.”

A avaliação de riscos nos processos de aquisição de vacinas e elaboração de séries históricas sobre perdas de vacinas, estabelecendo critérios de perdas aceitáveis, foi outra recomendação feita pelo órgão.

Segundo o relatório, as recomendações visam reduzir perdas e episódios de desabastecimento de vacinas, com efeitos na recuperação da cobertura vacinal. “Estima-se que a melhoria de 10% na eficiência da gestão de perdas por vencimento pode representar economia anual de mais de R$ 40 milhões para o programa,” diz o TCU.

PNI: Criado em 1973

O Programa Nacional de Imunizações, criado em 1973, é uma das mais relevantes políticas públicas de saúde do Brasil. Responsável pela coordenação das ações de imunização em todo o território nacional, o programa foi fundamental para a erradicação da varíola, a eliminação da poliomielite e o controle de doenças como sarampo, rubéola e difteria, protegendo milhões de brasileiros ao longo das últimas décadas.

Acórdão 622 de 2025 Auditoria PNI