Um é desarticulado, o outro é avião. Executivo e Congresso Nacional brigam, ninguém tem razão e nós assistimos, sem mais nos surpreender apenas nos envergonhar, a desavença que iniciou lá com a fala imprevidente do general Augusto Heleno ao qualificar de “chantagistas” os parlamentares.
Depois, o caldo entornou quando a jornalista Vera Magalhães descobriu que Jair Messias Bolsonaro, mais militante do que presidente da República, difundiu vídeo messiânico de uma convocação para 15 de março em protesto contra o Congresso Nacional.
De bate em pronto, a rede bolsonarista de apoiadores mentiu a torto e à direita, invadiu a privacidade de Vera, Bolsonaro pejorativamente disse que não era da “laia” dela e passaram a distorcer o fato com a narrativa de que jornalistas e todos que reprovaram a conduta de Messias são contra a manifestação de 15 de março.
Uau! Estamos assim metidos em guerrinha de mentiras e manipulação como nunca se viu desde a redemocratização. Porém, muito mais do que isso. Perigosamente assistimos crescente onda de assassinato de reputações e violência que viceja das mais diversas maneiras.
Li diversas opiniões sobre a conduta do Presidente e nenhuma linha contra a desejável expressão das ruas, a não ser a ressalva das penas democráticas de observar que o caminho de defender o fechamento do parlamento – caso assim seja a convocação – não é a solução.
Estamos fartos de saber que o Congresso Nacional não é mosteiro de franciscanos, e quando se trata de dinheiro é certo que há muita esperteza e pouca renúncia. Foi com essa esperteza que os parlamentares aprovaram no ano passado uma faixa a mais de orçamento impositivo, na casa de R$ 30 bilhões, para deleite do relator do projeto de lei orçamentária. E, pasmem, com o voto do líder filho do Presidente, Eduardo Bolsonaro!
Caso nesta terça-feira, 3, seja derrubado o veto de Jair Bolsonaro a esta imoralidade, uma só pessoa, em ano eleitoral, vai gerenciar bilhões de reais que devem, por força da Constituição, ser da competência do presidente e sua equipe executar como bem entender. É dinheiro do contribuinte, que o elegeu para cumprir projetos e programas prometidos.
Este é, dizem os consultores legislativos, o mais restritivo orçamento dos últimos anos. Assiste preocupação do Presidente, portanto, ao reclamar da falta de discricionariedade no uso dos recursos, ainda mais pelo fato de que o orçamento da União já é bastante engessado: mais de 90% dos recursos são canalizados para despesas obrigatórias.
Com o perfil antidemocrático que cultiva, com temerários e crescentes aplausos por isso, e de outro lado com a imagem sapecada por um reboco fisiológico que resiste mesmo com a renovação, Lava Jato e milhões de brasileiros nas ruas desde 2013, Jair Bolsonaro e Congresso Nacional viverão bom tempo às turras.
Alimentam ambos a tensão que o capitão inaugurou com sua eleição, rejeitando a política e o rito democrático que ela impõe. Não construiu maioria, e deixar o PSL sinalizou a disposição de radicalizar na disrupção que garantiu sua chegada ao poder. Algo assustador.
Sem base para garantir votos para as reformas indispensáveis ao Brasil, como a tributária, que começa a ser debatida na quarta-feira (4), Bolsonaro não se conterá em cometer sucessivos atos de quebra de decoro, apequenando ainda mais a Presidência da República, e o Congresso Nacional, que ganhou protagonismo nunca havido, seguirá ditando a agenda legislativa do modo que aprouver.
No morde e assopra, no faz de conta que tudo se harmonizou e na persistente pusilanimidade, achando que o eleitor é prisioneiro de passado recente, quando não havia Lava Jato, não se discutia política e não havia milhões nas ruas.
Definitivamente, o Brasil não é para amadores.