Emendas impositivas não tem caráter absoluto, e vinculação federativa é obrigatória

Consultores do Senado alertam em nota, contudo, que se atender regras de decisão judicial do STF, emendas impositivas não podem deixar de ser pagas pelo Executivo por "direito protestativo" de não executá-las.
Imagem do STF, e ao fundo o Congresso: regras mudam execução de emendas impositivas. Foto: Pedro França.

Com a homologação pelo ministro Flávio Dino e referendo do Pleno do STF ao Plano de Trabalho elaborado pelo Executivo e Legislativo para garantir princípios de transparência na indicação até a execução das emendas parlamentares, a Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado (Conorf) divulgou nota para esclarecer efeitos e decisões da Corte sobre o tema.

O pagamento das emendas é ponto, evidentemente, que interessa aos parlamentares, por seu caráter político-eleitoral, originando embate com a Corte desde que em dezembro de 2022 o chamado “orçamento secreto” foi considerado inconstitucional pelo STF.

A prática foi instrumentalizada pelo uso das emendas do relator-geral (RP-9) do orçamento para inclusão de novas despesas e programações, “incompatível com a ordem constitucional,” declarou a Corte à época.

Emendas individuais impositivas

Segundo a nota da Conorf, as decisões do STF não admitem “exceções para privilegiar ou dar tratamento diferente” às emendas impositivas (de pagamento obrigatório) em relação a outras despesas da União.

“Esta conclusão coloca em xeque a própria noção do que seria ‘execução obrigatória’ no caso dessas chamadas ‘emendas impositivas’, ou seja, qual seria a diferença entre essa parcela do Orçamento e qualquer outra parcela discricionária, dado que regras aplicáveis a elas têm de ser as mesmas que as incidentes sobre o restante do Orçamento discricionário”, destaca a nota.

Ao fazer a interpretação constitucional do que estabeleceu o STF no julgamento definitivo da ADPF 854, em 19/12/2022, a Consultoria do Senado observa ainda que qualquer que seja a interpretação que se dê ao caráter “impositivo” das emendas em função do texto constitucional “não pode, sob hipótese alguma, ter caráter absoluto.”

“Ao contrário, a execução dessas emendas (seja qual for a modalidade atual ou futura) somente ocorrerá se atendidos, de modo motivado, todos os requisitos constantes do texto da Constituição Federal e das normas infraconstitucionais aplicáveis, sem prejuízo de outras regras técnicas adicionalmente estabelecidas em níveis legal e infralegal,” continua o texto.

São quatro as modalidades de emendas, e de acordo com a Constituição, são consideradas de execução obrigatória emendas individuais até o limite de 2% da Receita Corrente Líquida (RCL) e coletivas (de bancada) até o limite de 1%.

Com base nas disposições definidas pelo ministro-relator Flavio Dino e o julgamento do STF, as regras em seu conjunto revelam que a “impositividade” e a “execução obrigatória” de emendas não se sobrepõem a qualquer outra regra ou princípio constitucional, legal ou infralegal, de natureza jurídica ou técnica, que incida sobre a despesa pública.

“Bem como, diz a nota, “qualquer outro atributo similar que venha a ser criado, não em função da natureza intrínseca das despesas, mas como decorrência de alguma circunstância ou interveniente no processo de decisão da lei orçamentária, como o fato de ser proveniente de emenda parlamentar.”

O STF considerou que não se admitem exceções introduzidas na legislação ou na prática para privilegiar ou dar tratamento diferente a essas despesas em relação a nenhuma outra despesa do orçamento da União, dado que, nas palavras da Corte, existe “apenas um único Orçamento Geral da União, e não dois.”

De modo que o artigo 14 da Lei Complementar 210/2024, que pretendia proteger as emendas parlamentares de restrições e impedimentos aplicáveis às programações do Executivo é corrigida pelo STF, pois, pela “decisão da dicção da Corte, não há como considerar-se que alguma regra incida sobre uma programação do Executivo e não incida sobre uma emenda, ou vice-versa.”

A decisão, observa a Consultoria, coloca em xeque a noção do que seria execução obrigatória no caso das emendas impositivas, qual a diferença entre essa parte do orçamento e qualquer outra parcela discricionária, uma vez que as regras têm de ser as mesmas sobre o montante do orçamento discricionário (de livre execução pelo governo.)

Os consultores avaliam que seja possível então conceber uma vedação à decisão executiva de realizar ou não a despesa segundo critério meramente potestativo: uma despesa decorrente de emenda não é “obrigatória” no sentido de que tenha que ser executada de forma alheia ou contrária a regras legítimas e motivadas de priorização da despesa (de natureza técnica ou macrofiscal), mas se atender a tais regras não poderá deixar de ser executada pela simples alegação de ser “mera autorização” ou de direito potestativo do Executivo em realizá-la ou não. Qualquer outra interpretação para o conceito de “impositividade”, alerta a Consultoria, “chocar-se-ia frontalmente com o prescrito pela decisão judicial.”

Emendas Pix

Outro ponto da nota aborda o tratamento dispensado pelo STF às chamadas transferências especiais, popularmente conhecidas por emendas Pix. “As condições de validade e execução dos recursos foram profundamente afetadas,” diz.  Elas foram criadas em 2019 pela emenda constitucional 105, são pagas diretamente ao beneficiário e não dependem de convênio.

“Os recursos somente poderão ser liberados pelo Executivo após a comprovação de que os beneficiários apresentaram, pelo sistema eletrônico de execução de transferências (Transferegov.br), informações mínimas sobre a aplicação do recurso. Do ponto de vista da administração financeira, as decisões exigem a abertura de uma conta corrente bancária específica para a administração de cada transferência especial, proibindo-se desta forma o depósito em contas de titularidade do ente que acumulem outros valores ou outras finalidades”, salienta o documento.

É instrumento para permitir o acompanhamento do destino final dos recursos transferidos, “o que vai ao encontro da rastreabilidade até o destino final dos recursos” exigida pelas interpretações da Corte. Essas transferencias são uma modalidade de emenda indiviual.

Emendas para a saúde

As decisões do STF trazem regras específicas para despesas na área da saúde. A exigência de um plano de trabalho — previsto para todas as emendas parlamentares — “é ainda mais rigorosa” neste caso, segundo a Conorf.

“O órgão responsável pela aprovação de planos de trabalho no âmbito sanitário não é exclusivamente o repassador federal. Devem concorrer na decisão também os agentes decisórios da estrutura tripartite do SUS (Sistema Único de Saúde) responsável pela instância recebedora dos recursos, e essa decisão tem parâmetros claros nas regras de governança das transferências do SUS estabelecidas na respectiva legislação e regulamentação infralegal. Também se exige a aplicação de tais recursos em contas específicas, de forma a identificar os beneficiários finais das despesas”, pontua a nota.

Emendas: vinculadas ao Estado do parlamentar  

A vinculação federativa da emenda é outro aspecto realçado pela Conorf.  De acordo com as decisões do Supremo, é considerada inválida qualquer emenda destinada por um senador ou deputado a Estado diferente daquele pelo qual ele foi eleito.

A exceção se dá somente a projeto de âmbito nacional cuja execução ultrapasse os limites territoriais do Estado do parlamentar.

“Neste ponto, parece implícita a limitação da abrangência às emendas individuais ou, no máximo, às emendas de bancada, tendo em vista que apenas nesses casos é possível identificar a unidade da Federação pelas quais os parlamentares foram eleitos”, pontua a Conorf.

Transparência

As decisões do STF colocam de forma “absoluta” os princípios de transparência e rastreabilidade das emendas em todas as regras, que valem desde a fase inicial de sua votação até a execução do Orçamento.

“Isso impõe registrar e divulgar, irrestritamente, todo o caminho que a despesa percorreu, desde a tomada de decisão no interior da administração (processo legislativo, licitação, designação de beneficiários) até a aplicação efetiva (empenho, liquidação e pagamento). Ademais, a garantia de transparência e rastreabilidade há de ser prévia à execução dos recursos, e abrange tanto novos empenhos quanto a continuidade de despesas já empenhadas (inclusive as inscritas em restos a pagar)”, sublinha a nota.

Incerteza eliminada

A Consultoria de Orçamento do Senado difunde também que a incerteza antes existente sobre a responsabilidade competente de fiscalização das transferências especiais é eliminada. O STF deixa claro que incide plenamente a competência dos sistemas de controle externo e interno da União (Tribunal de Contas da União e Controladoria Geral da União).

A colaboração eventual dos Tribunais de Contas de Estados e Municípios é explicitamente acolhida, quando tais iniciativas conjuntas forem empreendidas – mas sem afastar a jurisdição original do controle externo federal.

A Corte também deixou claro que a prestação de contas dessa modalidade deve ser feita “nos mesmos moldes aplicados às transferências com finalidade definida”, ou seja, de forma análoga às demais transferências feitas mediante convênio.

Abaixo a nota da Consultoria do Senado:

Nota informativa decisões STF emendas

Com informações da Agência Senado.