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Estudo detecta mutação do coronavírus em 85% de amostras

Parte dos Estados não tem estrutura própria para sequenciamento genético e depende de parcerias como a Fiocruz.
Aviões da FAB oferecem estrutura que a região norte não tem. Foto: Reprodução.

Variante foi identificada em São Paulo pela 1ª vez nessa terça; nova cepa pode ter maior poder de transmissão; rastreio no Brasil é falho.

Fabiana Cambricoli, O Estado de S.Paulo

Uma análise preliminar feita por pesquisadores brasileiros e britânicos mostra que a nova variante do coronavírus originária do Amazonas deve ter se tornado predominante em Manaus. O avanço da cepa é apontado como uma das razões para a explosão de casos na cidade e o consequente colapso no sistema de saúde local.

A partir do sequenciamento genético do vírus coletado em exames de pacientes infectados na capital amazonense, os cientistas verificaram que, até novembro, não havia registro da cepa P.1 entre as amostras analisadas. Já no mês de dezembro, 52,2% dos genomas sequenciados eram da nova variante. Em janeiro, esse índice passou para 85,4%.

Embora o número de amostras sequenciadas pelo grupo de pesquisa seja pequeno (142), os cientistas afirmaram que os “os dados sugerem um aumento na proporção de casos da variante P.1 em Manaus”, segundo texto publicado na plataforma científica virological.org pelo pesquisador Nuno Faria, um dos integrantes do Centro Brasil-Reino Unido de Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (grupo Cadde), que conta com pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

Duas mutações identificadas na cepa brasileira e que também estão presentes em outras variantes descobertas no mundo estão associadas a um maior potencial de transmissão e reinfecção, segundo estudos preliminares.

Especialistas temem que a P.1 já tenha se disseminado para outros Estados brasileiros, mas que não tenha sido ainda identificada pelo baixo número de sequenciamentos realizados no País. A escassez de centros especializados e as dificuldades na aquisição de insumos são entraves para a ampliação do monitoramento genômico no Brasil. Tanto é que a nova variante brasileira foi detectada em cinco países (Japão, Reino Unido, Estados Unidos, Itália e Alemanha) antes de ser encontrada em outros Estados brasileiros.

Somente nesta terça-feira, 26, houve a confirmação de um caso no País fora do Amazonas. A Secretaria da Saúde de São Paulo detectou a variante em três pacientes vindos de Manaus que manifestaram a doença em solo paulista.

Para Ester Sabino, integrante do grupo Cadde e professora do Instituto de Medicina Tropical da USP, é provável que a variante já tenha chegado a outros locais do País. “É muito mais fácil pegar só as pessoas que chegaram do Brasil e sequenciar no Japão do que conseguir sequenciar os brasileiros aqui. Não é tão simples achar (amostras positivas na população geral), mas seguramente a cepa já deve estar circulando em outros Estados do Brasil”, disse.

Desde o início da pandemia, os cientistas brasileiros depositaram cerca de 2,5 mil genomas do SARS-CoV-2 no site Gisaid, banco online de sequenciamentos que traz dados do mundo inteiro. Embora o Brasil seja o país com o terceiro maior número de casos de covid-19 no mundo, com cerca de 9% das infecções registradas, o número de genomas feitos pelo País representa só 0,6% de todos os 424 mil publicados na plataforma. Em comparação, o Reino Unido, que no mês passado identificou uma nova variante no sudeste da Inglaterra, já submeteu ao banco mais de 150 mil genomas.

“Desde o início da pandemia, o Reino Unido organizou todos os polos e universidades para fazer sequenciamento de SARS-CoV-2, conseguiram financiamento e montaram essa estrutura. Além disso, eles têm empresas fabricantes locais de reagentes. A gente depende da importação de insumos”, explica Paola Cristina Resende, pesquisadora do Laboratório de Vírus Respiratórios e do Sarampo do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e membro da Rede Genômica Fiocruz, responsável por receber amostras de todos os Estados para sequenciamento. No início da pandemia, ela chegou a trabalhar na rede do Reino Unido, onde fazia um pós-doutorado. Em março, ela voltou ao Brasil para auxiliar no monitoramento nacional do vírus.

“Costumamos pedir a cada um dos Estados o envio de pelo menos dez amostras por mês. Elas têm que ser de semanas epidemiológicas e regiões diferentes, para termos diversidade. Com a emergência das novas variantes, pedimos o envio de 30 a 40 amostras de dezembro e janeiro para verificar se a cepa está circulando em algum outro local”, diz ela.

Parte dos Estados não tem estrutura própria para sequenciamento genético e depende de parcerias com centros de excelência como a Fiocruz para ter amostras analisadas.

Essa desigualdade regional fica clara na análise dos genomas brasileiros submetidos ao Gisaid. Mais de 60% dos sequenciamentos depositados na plataforma são do Sudeste. O Centro-Oeste inteiro tem somente 25 amostras presentes no banco.