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Fundo Social bilionário do pré-sal usado para bancar dívida pública

Passados mais de 12 anos da criação do fundo, lei não foi regulamentada. Previsão é de quase R$ 1 trilhão de receita até 2032.
Conselheiro do TCU Antonio Anastasia. Foto: Divulgação/TCU.

Relatório de Levantamento feito pela auditoria especializada em Petróleo, Gás Natural e Mineração do Tribunal de Contas da União (TCU) aponta uso inadequado do Fundo Social do Pré-Sal, criado por meio da lei 12.351/2010, que instituiu um novo marco regulatório para a exploração dos recursos do pré-sal, criando o Regime de Partilha da Produção.

Passados mais de doze anos da sanção da lei, ainda não foram criados o Comitê de Gestão Financeira do Fundo Social (CGFFS) previsto no artigo 52, e o Conselho Deliberativo do Fundo Social (CDFS), definido no artigo 58. O primeiro teria a missão de assegurar a sustentabilidade financeira do fundo. Determinar quanto, quando e onde investir, estabelecendo os critérios econômicos mínimos para mensurar a atratividade dos investimentos, como o risco, a taxa de retorno e a capitalização mínima.

O segundo colocaria em prática o que diz a lei em relação à política de investimentos do FS, cujo objetivo e finalidades estão descritos no artigo 47: “Constituir fonte de recursos para o desenvolvimento social e regional, na forma de programas e projetos nas áreas de combate à pobreza e de desenvolvimento da educação; da cultura; do esporte; da saúde pública; da ciência e tecnologia; do meio ambiente; e de mitigação e adaptação às mudanças climáticas.”

É uma instância com atribuição de, consultados os ministérios, decidir as políticas públicas que seriam contempladas com os recursos do Fundo. Sai governo entra governo, e os recursos continuam usados de forma aleatória, sem controle e transparência. Sem efetividade.

Sem esses instrumentos, o TCU constatou que R$ 64 bilhões foram destinados pelo governo Bolsonaro em 2021 e 2022 para pagamento de dívida pública, possível com a promulgação da Emenda Constitucional 109/2021, que permitiu desviar dinheiro de vários fundos para a finalidade, situação que indica continuidade na atual gestão.

“A drenagem dos recursos do FS para amortização da dívida pública, em consequência da ausência de um Conselho Deliberativo com ingerência sobre sua destinação, em nada tem a ver com o desenvolvimento social e regional nem com o combate à pobreza, o que desvirtua o Fundo Social das finalidades para as quais foi concebido,” destacou o relator, conselheiro Antônio Anastasia.

A edição da lei 12.858/2013, sancionada por Dilma Rousseff, trouxe  a primeira parcela de desvio na normativa jurídica que rege as compensações sociais da exploração do pré-sal. A lei dispõe ser obrigatório destinar 50% dos recursos do FS para educação e saúde, até que se cumpram metas do Plano Nacional de Educação (PNE). Conflita com regras que sequer foram regulamentadas da lei que criou o Fundo Social do Pré-Sal. Segundo o TCU, a Fazenda, após consulta, disse que só vai se debruçar sobre a questão quando estiver próximo do fim a vigência do PNE, em 2024.

Planilha do TCU mostra arrecadaçao e rateiro do bonus de assinatura, sem destinação ao FS.

Desde que foi criado, o FS do Pré Sal recebeu R$ 148 bilhões. No final de 2022, ficou um saldo de R$ 20 bilhões. O valor apurado poderia ser maior caso os contratos de licitação para exploração de petróleo assinados tivessem contemplado o Fundo com bônus de assinatura, pago à vista no momento de assinatura da partilha, previsto no artigo 49 da lei.

O TCU analisou seis rodadas de partilha de produção, a partir de 2013, quando teve início essa modalidade de exploração, e em nenhuma delas o Conselho Nacional de Pesquisa Energética (CNPE), a quem cabe definir a destinação do bônus, aprovou resolução para dotar o FS de algum percentual dessa previsão legal. Não há regulamentação também neste ponto. O dinheiro foi todo para a União e para a PPSA (Petróleo Pré Sal S/A).

Além do bônus de assinatura, constituem receita do Fundo os royalties e Participações Especiais advindos de campos situados no pré-sal ou em áreas estratégicas; comercialização de petróleo e gás natural da União; acordos de Individualização da Produção nos casos em que as jazidas da área do pré-sal e das áreas estratégicas se estendam por áreas não concedidas ou não partilhadas; e aplicações financeiras.

A constituição precária do FS, vinculado à Presidência da República, é preocupação em todo o relatório do TCU. Sem uma governança especializada em investimentos e finanças, o Fundo perde dinheiro. Os dados prospectados pela auditoria mostram que de 2023 a 2032 a perspectiva é que o Fundo Social do Pré Sal receba R$ 968 bilhões, a grande parte proveniente de comercialização de petróleo e gás. É sete vezes mais do que o recebido até agora.

Na Casa Civil, servidores simplesmente transferem recursos para a Conta Única do Tesouro (CTU), que por um tempo, diante da “inércia regulamentar,” era manuseado por servidores do Tesouro Nacional, que de iniciativa própria aplicavam em modalidade existente na conta. Até 2016, o dinheiro simplesmente não rendia nada. Voltou a render, mas de forma inadequada.

“Por conta da não implementação do CDFS, não houve qualquer destinação dos recursos do Fundo Social seguindo os parâmetros de planejamento, monitoramento, controle e avaliação preconizados pelo art. 58 da Lei 12.351/2010, pondo em xeque o objetivo do Fundo de prover desenvolvimento social e regional,” diz o documento da Corte de Contas.

Consultada pelo TCU, a Casa Civil disse que a regulamentação do Comitê de Gestão Financeira do Fundo chegou a ser debatida, entre 2014 e 2016, mas nunca implementado, e o Comite Deliberativo do Fundo Social jamais chegou a ser discutido. E a regulamentação das instâncias não está no horizonte no órgão.

O relatório destaca descumprimento amplo da lei, e alerta para a falta de transparência e governança. “A operacionalização do fundo desrespeita os princípios e melhores práticas de boa governança de Fundos Soberanos de Riqueza (FSR) preconizados pelas instituições internacionais de referência,” destaca.

Compara, inclusive, com o Fundo Soberano do Brasil, extinto em setembro de 2019. “É ocorrência grave a demandar solução inadiável. Esse fato, por si só, demonstra a falta de razoabilidade de se manter a realidade de gestão atual do FS, qual seja, administração pela Casa Civil com aplicação protocolar do fundo na CTU. Além disso, a comparação com o FSB desnuda ainda mais a situação peculiar do FS, visto que aquele, de menor materialidade, chegou a ter um arcabouço de governança previsto e implementado.”

O envio de um relatório de desempenho ao Congresso Nacional trimestralmente, conforme trata o artigo 60 da lei do Fundo, também não é cumprido. “A administração pública não se pode escudar na omissão de um dos seus Poderes para permitir a drenagem dos recursos de um fundo constituído em prol de futuras gerações, como se fundo genérico fosse, e não um Fundo Soberano de Riqueza,” diz o TCU.

A motivação para se elaborar o Relatório de Levantamento foi ”o fato de o Fundo Social ter sido criado há mais de doze anos (Lei 12.351/2010) , possuir materialidade e relevância patentes, e não haver trabalho que trate especificamente do tema” no âmbito do órgão. Uma representação ao governo federal para cobrar regulamentação será expedida pelo tribunal.

Abaixo, tabela sobre o bonus de assinatura, não destinado ao Fundo, o que contraria a lei:

  Arrecadação e repasse do bonus de assinatura nas partilhas do Pre Sal