A Polícia Federal serve ao Estado. Presidente nenhum, ministro nenhum tem superintendência.
É espantoso que em mais de 8 horas de depoimento à delegada Ana Claudia Hey de Lima, o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro tenha soltado um traque a respeito do ímpeto ainda por ser justificado do presidente Jair Bolsonaro de querer tirar Maurício Valeixo da direção-geral da Policia Federal e querer a superintendência do órgão no Rio de Janeiro sob o controle de alguém com quem pudesse interagir, para usar palavras de Moro.
Dito isso, e após leitura das 10 páginas do depoimento que veio a público a pedido do próprio Sérgio Moro, entendo que a prudência recomenda ao Palácio do Planalto não respirar aliviado e os bolsonaristas fervorosos não comemorarem antes do tempo, como alguns já o fazem. Até porque o depoimento, com justificada expectativa por ser Moro quem é, não é tudo no inquérito que anda célere sob o comando do ministro Celso de Mello.
O inquérito poderá dar em nada, ou seja, sem imputação de crimes nem a Sergio Moro e nem a Jair Bolsonaro, algo que acredito vir a acontecer, porém as evidências, relatos, comportamento de ambos indicam que a verdade está com Moro, que desde o primeiro instante disse ter saído por discordar da constante pressão do presidente pela substituição de Valeixo, do superintendente do Rio, e mais recente o de Pernambuco.
Nem precisam me lembrar, fervorosos bolsonaristas, que o presidente da República tem a prerrogativa de escolha do diretor-geral da Polícia Federal, mas a autoridade máxima do país que manda mensagem pelo whatsapp para seu ministro da Justiça dizendo “Moro você tem 27 superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio”, realmente não tem noção do cargo que ocupa.
Presidente nenhum e ministro da Justiça nenhum tem superintendência. A Polícia Federal é do Estado. Ela é a polícia judiciária da União. Ela não é do Moro, do Bolsonaro, da Dilma, do FHC, do Lula ou do raio que o parta. As superintendências têm autonomia para trabalhar, e não podem servir ao odioso papel – e aqui entra a política – de abrir inquéritos para investigar alvos ao invés de fatos.
A primeira pergunta da delegada Ana Cláudia ao ex-ministro e juiz da Lava Jato foi o que Moro entendia por interferência política. “Interferência sem uma causa apontada e, portanto, arbitrária,” disse o ministro, relatando o que a imprensa já disse várias vezes: durante sua permanência no governo em inúmeras ocasiões Bolsonaro solicitou substituição de Valeixo e da superintendência do Rio sem dizer as razões.
Queria uma pessoa da sua “confiança” , palavra empregada por ele, relatou Moro, com quem pudesse interagir, telefonar, obter dados das ações e atividades da Polícia Federal, além de acessar relatórios de inteligência. Nada adiantou o ex-ministro explicar em mais de uma ocasião que os relatórios não são produzidos pela Federal. A instituição apenas entrega dados para já Agência Brasileira de Inteligência (Abin) cumprir esta tarefa.
Tentativas de interferência na Polícia Federal sempre ocorreram. Recordo que no governo Dilma Rousseff, o Partido dos Trabalhadores, via José Dirceu e outras cabeças iluminadas que promoveram o maior roubo de dinheiro publico de que se tem notícia no Brasil, infernizaram a vida do então ministro José Eduardo Cardozo (Justiça) para que Leandro Daiello fosse para casa.
O diretor-geral da Polícia Federal permaneceu de janeiro de 2011 a novembro de 2017 no cargo. Até agora, o mais longevo diretor-geral, o que enfrentou a dura batalha da Lava Jato, com inimigos por todos os lados, não apenas o PT. Imaginem se não tivesse tido apoio do ministro e do governo como um todo.
A ansiedade da imprensa com o depoimento, por interesses legítimos ou não, levou à divulgação de que Moro iria entregar áudios e e-mails, e a rede bolsonarista com milhares de robôs da difamação, calúnia e ódio, massacraram o ex-ministro disseminando que Moro teria gravado 15 meses de governo, tempo em que ficou no cargo, o que seria uma tremenda vilania e, certamente, aí sim, prevaricação.
Moro virou traidor, Judas, e o deputado Eduardo Bolsonaro que se elegeu em São Paulo mas mora no Rio de Janeiro, chamou Moro de espião. É bom ter cuidado, porque foi o apóstolo Judas quem levou Cristo à morte.