O Brasil relativiza valores, relativiza a corrupção. É claro que diante de tanto desemprego e fome a corrução, na campanha eleitoral, especialmente no primeiro turno, cedeu espaço às questões sociais no debate mal realizado entre os candidatos, até mesmo porque as lentes da mídia e a guerrilha nas mídias sociais só se prestavam a realçar ou destruir a reputação dos dois candidatos populistas polarizados.
No segundo turno, o embate de dois, justamente os de currículo nada lisonjeiro, e especialmente o petista Lula tem telhado de vidro robusto por tudo que a República viveu nos anos de petismo, quando casos de corrupção brotaram em lugares inimagináveis da administração direta e indireta, evidenciou por parte da sociedade brasileira com essa escolha a relativização da corrupção.
Não fosse nenhum deles para esta fase da disputa, não assistiríamos a tormenta da campanha “meu corrupto é melhor do que o teu,” “meu corrupto roubou menos,” e na TV a artilharia entre Lula e Bolsonaro nos trouxe até aqui: endossamos um cheque em branco para o eleito.
O pior é que a relativização da corrupção ocorre na intelectualidade, na classe artística, entre os da elite econômica, e o Brasil vai se comportamento como se a corrupção fosse uma inerência da política. Não é. Há políticos decentes, e tivemos opções superiores moralmente na campanha.
Agora, perto do fim da transição de governo, vemos o presidente eleito Lula da Silva, enrolado com a corrupção seja por omissão grave de tudo que se passou nas gestões anteriores, seja por enfrentar processos na justiça, mais preocupado com festa da posse no início de janeiro, tendo orientado a abertura de uma vaquinha para arrumar dinheiro depois que a imprensa falou dos gastos da festa, do que manifestar o que vai fazer com o orçamento secreto.
No Dia Internacional de Combate à Corrupção, esta sexta-feira, 9, o orçamento secreto tem sido pauta há dias em função do julgamento de ações sobre sobre sua legalidade. O Congresso tenta driblar o STF para manter essa modalidade inconstitucional no orçamento, envolvendo bilhões de reais, e o presidente eleito, que para ganhar votos chegou a chamar esse recurso de “excrescência,” continua silente.
Indicativos dão conta de que teria negociado a manutenção da farra orçamentária em troca de apoio no Senado e Câmara dos Deputados, especialmente, para a PEC da Transição, já aprovada na primeira Casa. Não surpreende.
Especialistas que desde ontem participam do 7º seminário Caminhos contra a Corrupção promovido pelo jornal O Estado de São Paulo e Instituto Não aceito Corrupção apelam para que o presidente eleito rompa com a prática do orçamento secreto.
É obvio que esse é mais um mecanismo, dentre tantos, de captura de recursos públicos para atender interesses privados, clientelísticos, patrimonialista de políticos e empresários que se unem para roubar dinheiro dos nossos impostos.
A reeleição é outro mecanismo pesado de corrupção, patrocinado por Fernando Henrique Cardoso, sua pior obra. O então presidente rompeu uma tradição no Brasil de não se permitir a recondução imediata para a Presidência da República, algo muito sábio por parte dos nossos legisladores. Na República Velha se admitia tão somente para governadores.
É um insulto à nação, como dizia o jurista Paulo Brossard. O presidente eleito chega ao cargo pensando nas estratégias de nova eleição, rejeita fazer gestão de médio e longo prazo e as vezes nem ambiciona continuar no poder, mas o grupo político que o apoia o demove de qualquer desprendimento.
Armam tudo quanto é patifaria para fazer caixa dois, três, quatro, se acovardam na relação com o parlamento, em prejuízo do Brasil, para atingir seu objetivo. Se o preço é manter o orçamento secreto para continuar no poder, que seja.
Se os generais quisessem, na ditadura, também teriam sido reeleitos – não faltariam apoio a Castelo Branco ou a Ernesto Geisel. Foi preciso um professor, civil, um sociólogo, estudioso do país, para avalizar a compra de votos no Congresso e obter a mudança constitucional da reeleição. O que degrada as instituições desde o final da década de 90. Só provoca abuso, falta de isonomia na democracia eleitoral e corrupção.
Jair Bolsonaro em 2018 prometeu lutar pelo fim da reeleição, logo esqueceu o assunto. Ciro Gomes dizia renunciar a ela em troca de um punhado de boas reformas, não teve chance de mostrar seu propósito, e Lula da Silva nunca disse nada – a hegemonia petista não permite.
Regredimos em matéria de corrupção, constatam os especialistas reunidos no seminário, citando leis alteradas para pior nos últimos quatro anos.
Porém, se o fim da reeleição e do foro privilegiado estiverem no topo da campanha das entidades que atuam contra a corrupção viveremos uma democracia menos fantasiosa e mais inclusiva e não esse teatro de horrores no qual a República brasileira, patrimonialista e clientelista, está incrustada.