Pesquisador do Ipea diz na Câmara que é burrice o Brasil não taxar dividendos

Comissão Especial inicia debate sobre alteração no IR; no Brasil, o 1% mais rico fica com 21% da renda nacional, enquanto nos países desenvolvidos fica com 5%.
Professor na Inglaterra, Guilherme Martins disse que a proposta do governo é suave. Foto: Vinicius Loures.

Na primeira audiência da Comissão Especial instituída para debater o PL 1087/25, de autoria do Executivo e que propõe alterar a legislação do Imposto de Renda, o pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Sergio Gobetti disse ser uma “burrice o Brasil não estar tributando hoje dividendos enviados para o exterior. Porque esse lucro está sendo tributado no país de origem destes acionistas em grande parte das vezes.”

Gobetti disse que o grupo de 0,1% mais rico do Brasil embolsa 47% dos dividendos, e que a realidade no mundo todo é a taxação das empresas e dos sócios. O debate foi realizado na terça-feira, 20.

Ao contrário do que disse outro convidado da comissão,  Gustavo Brigagão, professor da Fundação Getúlio Vargas, Sérgio Gobetti refutou a ideia de que a taxação de lucros e dividendos pode gerar fuga de investidores estrangeiros.

Brigadão diz que a arrecadação no Brasil aumentou com o fim da taxação de dividendos enviados ao exterior nos anos 90.

O PL prevê que a taxação de lucros e dividendos de sócios de empresas será medida adotada para parte da compensação da isenção de Imposto de Renda que o governo está propondo para contribuintes com renda até R$ 5 mil. Segundo Sérgio Gobetti, essa taxação vem batendo recordes todos os anos e atingiu R$ 1 trilhão em 2023.

O secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, Marcos Barbosa Pinto, disse que o governo está propondo um imposto mínimo de até 10% para financiar essa isenção a partir de 2026. Ou seja, quem já paga o mínimo hoje não pagará mais nada.

O custo da medida, segundo ele, será de R$ 25 bilhões, ao passo que a correção de toda a tabela custaria cerca de R$ 100 bilhões, o que seria inviável.

Pelo cronograma do relator, deputado Arthur Lira (PP-AL), o relatório do PL  1087 deve ser apresentado no dia 27 de junho, e a votação ocorreria no dia 16 de julho.

Marcos Pinto explicou que 80% dos que recebem dividendos não serão sobretaxados porque recebem menos que R$ 600 mil por ano, um dos limites do projeto.

“A própria Constituição determina que o Imposto de Renda seja progressivo e, infelizmente, não é o que ocorre na realidade. Ele acaba sendo regressivo. Os mais ricos pagam menos do que os mais pobres. Uma professora de escola pública paga mais imposto, proporcionalmente a sua renda, do que um bilionário”, disse.

Na visão de Gobetti, a proposta é “tímida” porque os que serão afetados pagam em média apenas 2,6% de Imposto de Renda. Ele explicou que os empresários do Simples que serão atingidos são apenas 47 mil entre os 2,2 milhões que pagam IPRF. Segundo ele, são profissionais liberais que faturam rendimentos de trabalho, ou seja, que não seriam empreendedores tradicionais.

O deputado Arthur Lira (PP-AL), relator, cobrou do governo os cálculos que embasaram as estimativas de arrecadação com as mudanças, inclusive em relação às perdas de estados e municípios com o aumento da isenção e com a redução da tributação para os que ganham entre R$ 5 mil e R$ 7 mil.

“Nós não estamos duvidando, só não temos como auferir a forma de cálculo e a situação de quem paga impostos de maneira tão diminuta, que não concordamos em espécie”, afirmou Lira.

O secretário Marcos Pinto disse que as respostas estão atrasadas em função da greve dos servidores da Receita Federal. Mas adiantou que as perdas para estados e municípios podem ser negociadas porque ficarão em torno de R$ 2 bilhões.

Desigualdades

O secretário disse que é preciso usar a reforma para reduzir as desigualdades do País, onde os 5% mais ricos têm a mesma renda que os 95% restantes. Marcos disse que o projeto tem uma trava que não permite uma taxação maior que 34% para as grandes empresas, somando o imposto cobrado das empresas e das pessoas físicas.

Segundo ele, inclusive, a alíquota média efetiva das empresas hoje é menor, em torno de 17%, por causa de vários benefícios.

A situação atual, segundo o secretário, é de que a tributação da renda vai subindo até a faixa de renda de R$ 25 mil mensais, atingindo 13% em média. Quando a renda passa de R$ 30 mil mensais, a tributação cai até chegar a 4,7% apenas para quem ganha mais de R$ 1 milhão.

1% mais rico fica com 21% da renda

Guilherme Martins, professor da Universidade de Leeds, na Inglaterra, disse que nos países mais desenvolvidos, o grupo 1% mais rico fica com 5% da renda nacional. No Brasil, este grupo fica com 21%.

Ele disse que a proposta é “suave”, pois quem será afetado são os que ganham a partir de R$ 86 mil mensais ou 0,3% dos contribuintes. Segundo ele, quem paga mais imposto hoje é quem ganha entre R$ 25 mil e R$ 39 mil mensais. Nesta faixa, a alíquota efetiva seria de 11,3%.

Com informações da Câmara dos Deputados.