Reforma propõe fim da estabilidade, e mantém privilégios de casta do funcionalismo

A reforma que faz reforma não para a urgência requerida, atingirá apenas os futuros servidores.
Sede do Congresso Nacional. Foto: Divulgação.

EC da reforma administrativa modifica 27 trechos e introduz 87, dos quais quatro artigos inteiros.  

Enviada ao Congresso Nacional em setembro do ano passado pelo governo federal, a reforma administrativa dá nova redação, altera e inclui artigos e parágrafos diversos com amplitude que alcança na Constituição os capítulos da administração pública, organização dos poderes, competência privativa do presidente da República e ordem econômica e financeira, mas nenhum ponto ataca os privilégios de uma casta do funcionalismo, mantidos pelos trabalhadores brasileiros.

É uma verdadeira extorsão praticada pelo Estado, e não há mais quem aguente. Para beneficiar juízes, promotores, procuradores, desembargadores, deputados e senadores. É que não são pessoas comuns, como disse Luiz Inácio Lula da Silva sobre José Sarney, o outrora longínquo presidente do Senado, na época em que saiu ileso de gravíssimas acusações de malversação, apropriação de recursos e instalação de verdadeiro trem da alegria no legislativo.

Por não serem pessoas comuns, a casta dos Poderes Legislativo e Judiciário está fora da reforma. Alegou o Ministério da Economia que o executivo não pode interferir em normas especificas de competência destes poderes.

É uma meia verdade. A Constituição de 1988 concedeu autonomia administrativa e financeira aos poderes e ainda ao Ministério Público, e cada um deles elabora lei específica que trata do seu funcionamento, proventos e benefícios. O artigo 92, por exemplo, diz que lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura – nele estão os deveres e direitos de juízes, ministros e desembargadores do país.

A outra parte da verdade é que a reforma administrativa enviada é uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), modificando 27 trechos e introduzindo 87, dos quais quatro artigos inteiros, sendo possível mexer na casta como está sendo possível mexer com o funcionalismo do executivo federal, estadual e municipal. O governo é covarde e não mexeu na carta magna para ter o direito de verdadeiramente reformar o que hoje só aos encastelados nos palácios é atribuído fazer.

Eles jamais o farão. Um só exemplo basta: desde 1989, foram 18 os presidentes do STF que postergaram a decisão de enviar ao Congresso um projeto para modernizar a Lei Orgânica da Magistratura, que é de 1979, com assinatura do então presidente Ernesto Geisel.

E olhem: ela traz vantagens e benefícios inadmissíveis, como a aposentadoria compulsória aplicada como penalidade ao juiz – meu Deus do céu – e férias de 60 dias, mas é bem pior o que o ministro Ricardo Lewandowisky, quando presidente do STF, consolidou em uma minuta de reforma elaborada na ocasião (2015/2016), nunca enviada ao parlamento.

É assunto para outro Contraponto, cabendo agora mencionar que estes benefícios à casta que presta serviços jurisdicionais no pobre Brasil permanecem intactos, exatamente como outros, a exemplo de auxílio moradia, ajuda de custo para transporte e mudança e gratificação por prestar serviço à justiça eleitoral. Ei, você que toda eleição vai trabalhar de voluntário para a justiça eleitoral, como se sente?

Sem medo de errar, vamos assistir, até a aprovação da reforma, que exige quórum qualificado, cenas de covardia também no parlamento, com as exceções de praxe.

Caso a PEC seja aprovada do jeito que está redigida, estão cortados para os servidores do executivo federal e também para os servidores do judiciário os benefícios  listados no incisivo XXIII, acrescentado ao artigo 37 da Constituição:

XXIII – é vedada a concessão a qualquer servidor ou empregado da administração pública direta ou de autarquia, fundação, empresa pública ou sociedade de economia mista de:

a) férias em período superior a trinta dias pelo período aquisitivo de um ano;

b) adicionais referentes a tempo de serviço, independentemente da denominação adotada;

c) aumento de remuneração ou de parcelas indenizatórias com efeitos retroativos;

d) licença-prêmio, licença-assiduidade ou outra licença decorrente de tempo de serviço, independentemente da denominação adotada, ressalvada, dentro dos limites da lei, licença para fins de capacitação;

e) redução de jornada sem a correspondente redução de remuneração, exceto se decorrente de limitação de saúde, conforme previsto em lei;

f) aposentadoria compulsória como modalidade de punição;

g) adicional ou indenização por substituição, independentemente da denominação adotada, ressalvada a efetiva substituição de cargo em comissão, função de confiança e cargo de liderança e assessoramento;

h) progressão ou promoção baseada exclusivamente em tempo de serviço; i) parcelas indenizatórias sem previsão de requisitos e valores em lei, exceto para os empregados de empresas estatais, ou sem a caracterização de despesa diretamente decorrente do desempenho de atividades; e

i) a incorporação, total ou parcial, da remuneração de cargo em comissão, função de confiança ou cargo de liderança e assessoramento ao cargo efetivo ou emprego permanente.

Alheios à realidade, é claro que os encastelados querem manter tudo isso.

A reforma propõe o fim da estabilidade, mantida apenas para cargos típicos de Estado (não definidos ainda quais são); acaba no artigo 39 com o conselho de política de administração e remuneração de pessoal integrado por membros de todos os poderes; institui regime jurídico (artigo 39-A) com cinco diferentes tipos de vínculo com o Estado, um deles os cargos de liderança e assessoramento, substituindo cargos de confiança, os chamados comissionados e admite a acumulação de cargos remunerados em municípios com menos de 100 mil eleitores.

A reforma que faz reforma não para hoje, para a urgência requerida pelo Brasil, atingirá apenas os futuros servidores, outra patente covardia para evitar conflitos com os sindicatos do funcionalismo público e garantir quem sabe uma reeleição.

Texto da reforma abaixo:

PEC-32-2020 REFORMA ADMINISTRATIVA