Resenha: O legado de estadistas para preservar a portentosa Amazônia

Não fosse Pombal, certamente a Amazônia Legal não seria hoje a maior porção do território brasileiro.
Marques de Pombal: lutou pelo ensino da língua portuguesa e pela revisão do tratado de Tordesilhas.

Uma combinação política favorável que trouxe novos tempos para Portugal e para as colônias no Brasil amazônico, no século XVIII, gerou o esforço extraordinário de Francisco Xavier de Mendonça Furtado, nomeado pelo rei Dom José I governador e capitão-general do Maranhão e Grão Pará para manter as fronteiras amazônicas a salvo das investidas estrangeiras, e muito especialmente a salvo de ordens religiosas que se julgavam o próprio Estado.

O livro Amazônia Ameaçada – Da Amazonia de Pombal à soberania sob ameaça, do escritor e jornalista Gilberto Paim, editado pelo Senado Federal em segunda edição no ano de 2009, é um relato expressivo da inquietação e tenacidade de estadistas convergentes em Mendonça Furtado, que chegou à região em 1750, e Sebastião José de Carvalho e Melo, primeiro-ministro de Negócios do rei de Portugal e depois consagrado por anos como o poderoso secretário de Governo do Reino.

Trata-se de Marques de Pombal, o déspota esclarecido, o diplomata e político que instituiu por força de lei o português no Brasil, para minar o poder dos jesuítas sobre o Brasil-Colônia, eles que tinham, com outras ordens religiosas, desvirtuado o trabalho missionário e foram banidos de Portugal e de suas porções territoriais em 1759 após anos de conflito..

Graças a Pombal falamos uma só língua, em país tão diverso, de norte a sul.

Há passagens no livro sobre o desvirtuamento pleno do Regimento das Missões a que davam cabo os religiosos, negando-se a ensinar o português aos indígenas que mantinham sob seus domínios em aldeias. Eles não podiam usar o trabalho indígena para enriquecer, mas era o que faziam. Este relato está na segunda parte do livro.

Soldados famintos e maltrapilhos

É a parte em que se expressa a inquietação e coragem do nomeado governador, irmão do Marques de Pombal, que se depara com uma região indefesa, uma fragilidade militar de penúria – soldados famintos e maltrapilhos pediam comida nos conventos –, o enriquecimento das ordens religiosas, escravização dos indígenas por parte elas, a sabotagem dos padres ao poder civil e o empobrecimento do tesouro, que não tinha como fazer frente às despesas de proteção à região e outras necessidades.

O relato de Mendonça Furtado sobre os conflitos constantes com a Companhia de Jesus, a Ordem do Carmo e outras missões religiosas, bem como as providências que desejava adotar mas via-se impedido por sabotagens e desobediências absurdas às convocações que o governo fazia por ajuda e apoio é bastante documentado, material que serviu à pesquisa de Marcos Carneiro de Mendonça para registrar a gestão heroica em livro com três volumes editado pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Há muitas cartas ao Marques de Pombal, e o prestígio de ambos com D. José I provocou mudanças no cenário encontrado quando da nomeação de Furtado.

Destaca-se na obra a responsabilidade central do rei, grande reformista do Estado, que deu um giro de 180 graus ao retirar poderes da igreja e dos nobres, do Marques de Pombal e de Mendonça Furtado em garantir sob domínio português a soberania da Amazonia, e para isso precisavam contar com indígenas livres, língua única, economia regional prospera e plano de defesa militar, tudo contrário à ambição das missões religiosas, que se negavam a pagar impostos por tudo que produziam e comercializavam nas aldeias administradas por elas.  Seu poder era enorme, avindo de reinados anteriores.

Com apoio político e dinheiro que pedia à Corte, Mendonça Furtado, cuja sede de governo mudou de São Luís para Belém, instalou a província de São José do Rio Negro, dando o passo inicial para que se criasse o estado do Amazonas, criou inúmeras fortificações no Pará, impediu que os jesuítas tivessem o monopólio da navegação e instalassem aldeias ao longo do rio Tapajós e teve a ousadia de proibir que os espanhóis do Peru passassem pelo Solimões e Amazonas.

O maior legado, legítimo a nós, brasileiros, é a determinação regia de se rever o Tratado de Tordesilhas, de 1494. Portugal considerava pura fantasia os limites fixados, pois a Espanha se recusava a reconhecer a ocupação lusitana para além do que foi estabelecido. Para Pombal, era inconcebível a cessão do território sem luta.

Internacionalização da Amazônia

Esta obra, embora aqui e ali sejam repetitivas as informações, é um relato valioso do legado de estadistas portugueses ao Brasil. “Não fosse a absoluta coerência de Pombal com a tradição expansionista lusa, aliada a sua resolução de tornar efetiva a defesas das conquistas portuguesas, certamente a Amazonia Legal não seria hoje a maior parcela do território brasileiro,” diz Gilberto Paim.

No relato de historiadores parece não haver dúvidas quanto a isso. E Mendonça Furtado organizou e integrou com dedicação e toda sorte de dificuldades, sem dinheiro, sem mão de obra e enfrentando a corrupção, a expedição decidida pela corte portuguesa em 1753 para percorrer os rios amazônicos e fixar limites em acordos com a Espanha, cuja comitiva não compareceu jamais ao ponto de encontro combinado, mas Portugal logrou êxito na revisão a que se propôs.

Fica devendo a obra uma abordagem mais consistente do autor sobre as tentativas de internacionalização da Amazônia. Ele as resume lembrando manifestações compiladas pelo falecido jornalista Carlos Chagas de presidentes, primeiros-ministros, vice-presidentes, altas autoridades mundiais e entidades, como o Conselho Mundial de Igrejas Cristãs, que reunido em Genebra, em 1992, declarou: “A Amazonia é um patrimônio da humanidade. A posse dessa imensa área por Brasil, Venezuela, Equador, Colômbia e Peru é meramente circunstancial.”

Essa internacionalização descarada que me lembra as palavras recentes do frei Leonardo Boff de que a Amazonia deve ter gestão global exige ampla rejeição. O sistema jurídico de um povo livre sempre há de repelir tal ousadia. Devemos essa postura a nós mesmos e ao legado de ousados estadistas.