O Senado Federal adiou quarta-feira, 10, a votação do Projeto de Lei Complementar 192/2023 que altera a Lei da Ficha Limpa, em vigor desde 2010. O adiamento ocorre por encontrar resistência por parte de movimentos como o Instituto Não Aceito Corrupção. A opinião publica bombardeia a proposta.
Desta vez, o adiamento do projeto, já aprovado na Câmara dos Deputados, ocorreu a pedido do relator, senador Weverton (PDT-MA). O Senado deveria engavetar a proposta, mas prospera o espírito de corpo, a defesa dos interesses dos políticos em detrimento dos interesses da sociedade, representando um retrocesso institucional.
O projeto é de autoria da deputada Dani Cunha (União-RJ), filha do ex-deputado e presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, condenado na operação Lava Jato e sentenciado a 16 anos de prisão, cuja pena foi anulada pelo STF no ano passado.
Antes da decisão e de uma outra de um juiz do TRF-1, de 2022, que garantiu a Cunha o direito de disputar as eleições daquele ano, o ex-deputado havia perdido os direitos eleitorais até janeiro de 2027. Nova eleição geral vem aí,em 2026. Portanto, abre-se uma janela possível para o retorno de Cunha.
Ele é apenas um exemplo entre vários políticos enredados em processos criminais ou eleitorais que ao invés de serem banidos da vida pública do país são premiados com abrandamento da punição ou por iniciativa casuística como essa. Jair Bolsonaro, para o Instituto Não Aceito Corrupção, dela poderá se beneficiar.
Legislar no interesse próprio é regra, não exceção no parlamento brasileiro, que a cada legislatura ao invés de recuperar credibilidade exibe resistente culto ao fisiologismo.
O texto que o Senado tentará votar ainda neste ano eleitoral unifica em oito anos o prazo que os candidatos ficam impedidos de disputar eleições por condenação judicial, cassação ou renúncia de mandato. O problema não é o tempo de inelegibilidade, mas o início de vigência da medida.
Com a alteração que foi aprovada na Câmara, o estado de inelegível se torna mais brando. A Lei da Ficha Limpa, não podemos esquecer, resulta de uma iniciativa popular com mais de 1 milhão de assinaturas, levada a cabo pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) e outras entidades.
Ela prevê, para condenados de forma colegiada na justiça, por exemplo para os crimes de lavagem de dinheiro e estelionato, a inelegibilidade a partir do final do cumprimento da pena. Se um político for condenado a 10 anos, por exemplo, ele começara a cumprir o prazo de inelegibilidade quando deixar a cadeia, ficando fora da vida pública, portanto, por 18 anos em tese.
O que está aprovado na Câmara e o que alguns senadores estão inclinados a manter prevê que o cumprimento da inelegibilidade comece a contar no ato da condenação em segunda instancia, o que abranda a punição. Se alguém é condenado a 10 anos, já poderia concorrer dois anos antes de terminar de cumpri-la, lógica que vale para quem renuncia ou é cassado pelo Legislativo ou pela Justiça Eleitoral.
Na alínea e, do inciso I, do primeiro artigo em que são listados os casos inelegíveis, a Câmara aprovou acréscimo da expressão “comportamentos graves” aptos a implicar na justiça eleitoral a cassação de registros, mandatos e de diplomas.
Uma subjetividade matreira destinada a aliviar para os maus políticos que tentam se reabilitar junto ao eleitorado, e irão certamente repetir atos lesivos ao patrimônio público, ao erário.
Com a Lei da Ficha Limpa, a estratégia de renunciar às vésperas da condenação para escapar de punição é comprometida. A lei representou um avanço desde 2010, mesmo com limites, em particular para casos de improbidade ou corrupção, e sua constitucionalidade é questionada por corrente jurídica apoiada no princípio da presunção de inocência.
Para essa corrente, a ausência de prvisão de trânsito em julgado para se decidir pela inelegibilidade constitui violação a direitos fundamentais.
O Supremo Tribunal Federal (STF), no entanto, confirmou a constitucionalidade da lei complementar que trata das inelegibilidades, restrição ampliada com a edição da Lei Ficha Limpa, igualmente confirmada.
É desastroso ver o Senado Federal ao invés de simplesmente engavetar o projeto o coloque em debate. Não à toa o legislativo brasileiro se descredencia à representação obtida nas ruas com a eleição de seus membros, promovendo insatisfação crescente. É o segundo parlamento mais caro do mundo, atuando para revitalizar políticos indignos, trazendo de volta à ribalta pública criminosos contumazes. Não à toa mina a confiança na democracia.