O caso do senador Zequinha Marinho, do Pará, que impetrou um HC (nº 232627) no Supremo Tribunal Federal (STF) após derrota a seu pedido no Superior Tribunal de Justiça (STJ) de retirar da primeira instância processo a que responde por crime de concussão, coloca a Corte de novo na rota de decidir uma questão que cabe aos legisladores do Brasil.
É o foro privilegiado, concedido no país a mais de 50 mil autoridades diversas, elasticidade existente só no Brasil, número resultante de pesquisa feita pelo Núcleo de Estudos da Consultoria Legislativa do Senado Federal, que em maio de 2017 aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 10/2013) de autoria do então senador Álvaro Dias (PR), extinguindo o foro por prerrogativa de função para os casos de crimes comuns.
Foro especial de julgamento por crimes não conectados com o exercicio da função somente estão assegurados para os chefes dos tres poderes, definiu a PEC.
Enviada à Câmara dos Deputados, a proposta adormece na gaveta de Arthur Lira (PP-AL), mais preocupado em pautar temas nos quais possa colocar o governo no ringue, para atender interesses paroquiais dele e de seu grupo.
Deputados querem votar
A PEC faz aniversário de 5 anos e três meses pronta para votação, desde dezembro de 2018, quando a Comissão Especial da Casa aprovou parecer do relator, deputado Efraim Filho.
Há o sentimento e convicção de que finalmente o fim do foro privilegiado seria aprovado caso fosse inclusa em pauta do Plenário. Não são poucos os requerimentos de deputados que pedem a Lira, desde 2019, a votação da materia.
Zequinha Marinho, acusado de cobrar 5% de cada funcionário do gabinete para caixa de seu partido à época durante mandato de deputado federal, quer manter o julgamento na Suprema Corte, sob alegação de que initerruptamente exerceu cargos eletivos desde 2007.
Em 2015, logo que concluiu o mandato de deputado federal, ele assumiu o cargo de vice-governador.
O STJ entendeu não ser mais o Supremo competente para julgar seu caso porque o entendimento é o de que a manutenção do foro por prerrogativa de função para parlamentares está restrita às hipóteses em que os diferentes mandatos sejam exercidos em ordem ininterrupta, ainda que em casas legislativas diferentes.
Tudo indica então que novamente será pelas mãos da Suprema Corte que teremos posição talvez alterada sobre o foro privilegiado a partir do julgamento do HC do senador, que será em Plenário Virtual, a ocorrer entre 29 de março e 8 de abril.
Decisão do STF
Explico: em maio de 2018, ano em que a Comissão Especial da Câmara aprovou o parecer de Efraim Filho, diante de uma questão de ordem levantada pelo ministro Luís Roberto Barroso, o STF decidiu que deveriam tramitar na Corte somente casos de deputados e senadores que tivessem cometido crimes durante o mandato e relacionados ao exercício do cargo.
Antes, qualquer inquérito por crimes comuns ou ação penal contra parlamentares, mesmo anteriores ao mandato, eram transferidas para o tribunal. As queixas entre os ministros se ampliavam devido ao volume de trabalho.
Naquele momento, a Corte decidiu ainda que as investigações somente seguiriam no Supremo enquanto durar o mandato. Se o parlamentar deixar o cargo por renúncia, cassação ou por não ter sido reeleito, a apuração segue para a primeira instância. É isso que vale hoje.
O alcance do foro privilegiado para milhares de autoridades país afora não foi apreciado pelo STF, e a expectativa é a de que um possível novo contorno do que foi decidido em 2018 seja circunscrito ao caso do julgamento. Conflitar de novo com o Congresso não convém.
Marielle Franco
E pelo despacho do relator Gilmar Mendes há preocupação em frear o atritamento, o que se revela prudente e necessário.
“Considerando a dimensão da controvérsia discutida nesta demanda, que pode recalibrar os contornos do foro por prerrogativa de função, entendo que o julgamento do habeas corpus deve ser afetado ao Plenário,” disse em despacho datado de 13 de março.
Faz bem, afinal o STF está com a imagem ruim perante a população brasileira. Especialmente por excesso de decisões monocráticas abusivas, com intromissão às prerrogativas de outros poderes e desprezo ao coletivo e exaltação do ativismo jurídico individual, trazendo baita insegurança jurídica.
Se concentrar unicamente ao caso de Marinho, com alcance que pode abarcar a repercussão do crime de Marielle Franco, no qual um dos mandantes, o deputado Chiquinho Brazão, ocupava o cargo de vereador na época do fato, é o que deverá ser levado em conta no julgamento.