O julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), que trata da responsabilidade civil de plataformas digitais por conteúdos publicados por terceiros, já conta com seis votos a favor de ampliar a responsabilização das empresas com base em notificações extrajudiciais. Os ministros consideram inconstitucional ou parcialmente inconstitucional o artigo, que prevê a responsabilidade das redes em retirar publicações somente com ordem judicial prévia e específica.
O único voto amplamente divergente foi o do ministro André Mendonça, que no dia 5 de junho, após pedir vista do processo em dezembro de 2024, em longo voto, no qual incluiu abordagem sobre liberdade de expressão, manteve a exigência de ordem judicial para remover qualquer conteúdo. O placar, com o voto do ministro Gilmar Mendes, no final da tarde desta quarta-feira,11, está em 6 a 1.
Os ministros julgam a partir da análise de dois Recursos Extraordinários, o RE (RE) 1037396, apresentado em 2017 pelo Facebook no Brasil, exatamente envolvendo o artigo 19 do Marco Civil da Internet, relatado por Dias Toffoli, e RE 1057258, da Google, relatado por Luiz Fux, em que a empresa discute se quem hospeda sites na internet tem o dever de fiscalizar o conteúdo publicado e de retirá-lo do ar quando considerado ofensivo, sem necessidade de intervenção do Judiciário.
Nesta quarta-feira, 11, votaram também os ministros Flávio Dino e posteriormente Cristiano Zanin. Ambos alinharam-se ao voto do presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, que julgou parcialmente constitucional o artigo 19 ao endossar que as plataformas somente seriam responsabilizadas por alegações de ofensas e crimes contra a honra (calúnia, difamação e injúria) mediante descumprimento de decisão da justiça para remover conteúdo dessa natureza.
Manter a ordem judicial previa e especifica nesses casos, argumentou, é necessário porque a retirada dessa exigência poderia comprometer a proteção à liberdade de expressão.
Quinto ministro a votar, Flávio Dino disse que não existe liberdade sem responsabilidade, conforme a Constituição. “A responsabilidade não impede a liberdade. Responsabilidade evita a barbárie, evita tiranias”, afirmou.
Ele entende ser necessário ampliar a responsabilidade das plataformas, adotando como regra geral a possibilidade de punição caso não se exclua postagem a partir de uma notificação de um usuário (extrajudicial). A exceção ficaria para casos de alegações de ofensas e crimes contra a honra. Flávio Dino propôs fixar um rol taxativo de conteúdos pelos quais as plataformas devem ter um dever de monitoramento.
Dino considera, ainda, que as plataformas também poderiam ser responsabilizadas, independentemente de notificação judicial ou extrajudicial, em situações de perfis anônimos, robôs, ou postagens pagas.
No voto, o ministro Cristiano Zanin disse que a inconstitucionalidade parcial do artigo 19 se deu ao longo do tempo, em razão das mudanças nos modelos de negócios das redes sociais e dos danos causados pela desinformação. O ministro entende que não está em jogo a liberdade de expressão.
Em sua visão, Zanin avalia que o artigo 19 não é adequado para proteger os valores constitucionais, mostrando-se distante da atual realidade do modelo de negócios de muitos provedores, fomentando a disseminação de danos e desinformação.
O relator do RE 1037396, ministro Dias Toffoli, considera inconstitucional a exigência de ordem judicial prévia para a remoção de conteúdos ilícitos. Ele disse que atualmente o modelo concede imunidade às plataformas, não havendo eficácia na proteção de direitos fundamentais. Para ele, há condições tecnológicas das plataformas identificarem conteúdos ilícitos, e especialmente em casos graves devem ser responsabilizadas por meio de notificação extrajudicial.
Toffoli defende ainda a ação que o ministro Alexandre de Moraes vem adotando de bloquear o perfil dos usuários, mesmo sem ordem legal para isso, contrariando a posição das big techs, que alegam não poder agir sem que a justiça determine.
O ministro Luiz Fux (relator do RE 1057258) também considera inconstitucional a exigência de ordem judicial, e diz que o artigo 19 imuniza indevidamente as plataformas. Ele defende a responsabilização com base em notificações extrajudiciais, alinhando-se a Toffoli.
O ministro André Mendonça avalia ser constitucional o artigo 19, e considera que as plataformas têm legitimidade para preservar suas regras de moderação e proteger a liberdade de expressão.
O ministro criticou a remoção de perfis por vezes por causa de um único conteúdo, classificou de censura prévia o ato, e disse que as plataformas não devem ser responsabilizadas por conteúdos de terceiros, exceto em casos expressamente previstos em lei ou quando o perfil for comprovadamente falso. Um exemplo seria um perfil criado para disseminar o nazismo ou falso em nome de outra pessoa para difundir ofensas.
A votação seguirá nesta quinta-feira, 12, com os votos dos ministros Alexandre de Moraes e Edson Fachin, havendo posteriormente a suspensão, segundo o portal Poder360, para haver um debate interno entre os ministros a respeito de encontrar um consenso para definir casos em que as plataformas serão responsabilizadas sem ordem judicial, fixar critérios, considerando as que usem ou não algoritmo e outras condições e modelos de atuação. Com isso, formam uma tese sobre a questão.
Está em aberto também a definição de um órgão que será criado para fiscalizar a atuação das redes a partir de critérios que vierem a ser estabelecidos pelo STF. A Corte está outra vez entrando no processo legislativo, o que foi mencionado pelo ministro Mendonça como inadequado.
Os votos de Carmem Lúcia e Nunes Marques também não foram proferidos.