Taxar grandes fortunas no Brasil constava do programa de governo do candidato Lula em 2002, ano em que obteve o 1º mandato presidencial. Quatro mandatos depois conquistados pelo PT, e na metade do quinto, com o petista no poder novamente após ser preso pela Lava Jato, uma nova chance de ser regulamentado o artigo 153 da Constituição Federal, incisivo VII, que resulta de uma emenda do então senador Fernando Henrique Cardoso, é desperdiçada.
No livro “Projeto Nacional: O Dever da Esperança,” lançado por Ciro Gomes dois anos antes da eleição de 2022, o ex-ministro e candidato à presidência lembra que no programa Lula dizia que faria a regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas e acabaria com a regressividade do sistema tributário brasileiro, “uma das primeiras reformas a ser encarada pelo novo governo, ainda no primeiro ano de mandato.”
Como sabemos, tudo fica somente no demagógico gogó presidencial, e depois de tanto tempo a reforma tributária (longe do ideal) aprovada tem origem em projeto do deputado Baleia Rossi (MDB-SP), preservando sem interferência alguma do governo os abastados cada vez mais abastados.
Ciro Gomes cita na obra que traz diagnóstico, análise dos problemas brasileiros e propostas para cada área levadas à campanha presidencial, que em 2007, começo do 2º mandato de Lula, estudo da Fipe apontava que no Brasil quem ganhava até 2 salários mínimos pagava 48,8% de sua renda em impostos.
Já quem recebia mais de trinta salários, gastava em tributos apenas 26,3% de seus rendimentos. Essa perversa desigualdade jamais motivou de verdade Lula e sua trupe partidária, inseparáveis a qualquer custo para se manter no poder, a mudar a situação.
A cobrança de impostos continua perversa, e taxar grandes fortunas é um caminho, apontam especialistas, para fazer justiça social, comprometer os ricos com o combate da desigualdade, uma das maiores do mundo no país que se vangloria de figurar entre as 10 economias mais pujantes do planeta.
Definida de forma progressiva, moderada, não acarreta fuga de divisas como dizem críticos que nem ao menos estudam o problema. Lembro inclusive que em 2008 o senador Paulo Paim (PT-RS) apresentou projeto semelhante à emenda apresentada agora pelo deputado Ivan Valente (PSOL-SP), derrubado sem ao menos questionar argumentos frágeis, sem estudo, apresentados pelo relator na ocasião, contrário ao projeto.
É de bom tom dizer que muitos parlamentares apresentaram projetos para regulamentar esse ponto da Constituição (1988). São 36 anos de insucessos, e não se pode passar pano, fingir, que os governos nesse tempo todo com mais oportunidade de virar o jogo da desigualdade foram os do PT. Virou Partido dos Traidores. Nem mesmo quando Lula deixou o 2º mandato com mais de 80% de aprovação popular, houve de verdade esforço para isso.
A emenda de Valente estabeleceu a progressividade do IGF em 0,5% para fortunas entre R$ 10 milhões e R$ 40 milhões; 1% para patrimônios entre R$ 40 milhões e R$ 80 milhões; e 1,5% para fortunas acima de R$ 80 milhões.
A população aprova a taxação dos super ricos porque já compreendeu que no Brasil quanto mais pobre maior parte da renda é drenada em impostos, e quanto mais rico se é, menos da renda vai para a Receita Federal. Pesquisa da Ipsos, divulgada em junho deste ano, aponta que 69% dos brasileiros apoiam taxar grandes fortunas, percentual próximo da média do G-20, de 68%.
A Ipsos ouviu pessoas de 22 países. A Indonésia, Turquia e Reino Unido são os países com maior aprovação para o aumento de impostos para esse segmento, respectivamente 86%, 78% e 77%.
A oportunidade de novo desperdiçada pelo Brasil de se fazer justiça tributária ocorreu quarta-feira, 30, na votação pela Câmara dos Deputados do projeto de lei complementar que institui o Comitê Gestor do IBS, imposto que substituirá o ICMS (estadual) e ISS (municipal).
Ciro Gomes, durante pregação constante e solitária para transformar o Brasil via projeto nacional que apresentou, propôs no capítulo “A reforma tributária necessária” taxar as grandes fortunas de forma progressiva entre 0,5% e 1% para patrimônios superiores a R$ 10 milhões.
Ele anotou: “Deve ser moderada o suficiente para dissuadir fuga de capitais.” Posteriormente, reviu o patamar para R$ 20 milhões, e enfatizava nas entrevistas que uma fuga de capitais traria possivelmente mais prejuízos fora do país, alguns com impostos mais altos do que no Brasil, e descartava perda de empregos e investimentos.
“São apenas 50 centavos de cada 100 reais das fortunas acima de R$ 20 milhões das pessoas físicas,” dizia, procurando demonstrar de maneira insistente que o modelo seria capaz de custear a “sobrevivência digna” dos mais pobres. No projeto do pedetista, os recursos arrecadados com o IGF seriam para bancar uma renda mínima.
“Vou pegar o BPC, Benefício Prestação Continuada, a aposentadoria rural, o seguro desemprego, e pegar todos os programas de transferência, especialmente o novo Bolsa Família que é o Auxílio Brasil, e transformar num direito previdenciário constitucional, ou seja, ninguém mais vai depender de político A, político B.” Essa coisa de populista chegar e nomear benefício, ora Bolsa Família ora Auxílio Brasil etc. para distrair o povo com política compensatória, fazer politicagem, seria enterrada definitivamente.
O Brasil ficou surdo, mudo e indiferente ao Projeto Nacional: Dever da Esperança. Até quando a indiferença se prolongará no país bloqueando a superação da injusta tributação e iniqua desigualdade?