A Transparência Internacional denunciou na segunda-feira, 3, à Organização dos Estados Americanos (OEA), o desmonte do combate à corrução no Brasil, destacando a participação do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), que sozinho anulou todas as provas do acordo de leniência da Odebrecht, afetando processos em diversos países da América Latina nos quais a empresa operava.
A audiência ocorreu em audiência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da OEA, cujo tema tratou do impacto da corrupção e da impunidade sobre os direitos humanos nas Américas. Representou a TI na audiência o gerente de pesquisa e advocacy no Brasil, Guilherme France.
France destacou a participação de Toffoli no processo, que monocraticamente, em setembro de 2023, anulou todas as provas do acordo de leniência da empreiteira hoje chamada Novonor, e até agora, passados 18 meses, nem o ministro e tampouco o Pleno da Corte analisaram sequer um recurso da Procuradoria Geral da República a estas decisões.
No relatório da TI sobre o Indice de Percepção de Corrupção, que colocou o Brasil em 107ª posição no ranking, a pior colocação do país na série histórica do índice, iniciada em 2012. Inclusive, é citada a demora da análise das demandas da PGR e o papel preponderante de Toffoli e do STF na percepção da imunidade pela sociedade.
E isso apesar do ministro, segundo a TI, “ter anulado mais de uma centena de processos, os quais incluem condenações confessadas de casos de corrupção no Brasil e de ter beneficiado réus na Argentina, Equador, Estados Unidos, México, Panamá, Peru e Uruguai.”
Representantes da Colômbia e da República Dominicana, que estão entre os 12 países em que a empresa brasileira confessou corrupção transnacional, inclusive comprou banco para lavar dinheiro e carro forte no Brasil para transportar propinas a políticos, citaram a corrupção e impunidade da Odebrecht.
Suborno transnacional
A TI avalia que uma atuação mais regular e direta da CIDH sobre a temática corrupção pode contribuir para a responsabilização dos países por situações de impunidade sistêmica, como a que atualmente prevalece na América Latina sobre o caso Odebrecht (Novonor), “considerado o maior caso de suborno transnacional da história.”
Os representantes da TI realçaram os profundos e variados impactos da corrupção sistêmica sobre os direitos humanos, entendendo que é preciso atuar de forma mais robusta na questão.
O pedido da audiência foi feito em conjunto com a Federação Internacional para os Direitos Humanos (FIDH), e organizações a ela filiadas na Colômbia, Guatemala, República Dominicana, Venezuela e Brasil.
Judiciário escancara a impunidade para poderosos
NO relatório do IPC de 2024, divulgado mês passado, a TI aponta na introdução que o Brasil “falhou em reverter a trajetória dos últimos anos de desmonte na luta contra a corrupção. Ao contrário, o mundo viu um país onde
O presidente não pronuncia a palavra ‘corrupção’, o Judiciário escancara a impunidade para corruptos poderosos e o Congresso institucionaliza a corrupção em larga escala.”
“O silêncio do presidente Lula sobre o tema da corrupção condiz com o deserto de projetos de lei e políticas anticorrupção que marcaram quase toda a primeira metade de seu mandato,” diz o documento, registrando que o quase fica por conta de que finalmente, em dezembro de 2024, o governo, por meio da Controladoria Geral da União, apresentou o Plano de Integridade e Combate à Corrupção.
O relatório cita várias ações irregulares e antiéticas do governo e da Presidência da República, como denúncias de corrupção na Codevasf, mas é no Judiciário, em particular, disse o relatório da TI, onde mais se escancarou o desmonte do combate à corrupção.
O STF está surdo até agora não apenas para recursos da PGR, mas também do Ministério Público de São Paulo e pela Associação Nacional dos Procuradores da República, que “apontavam as graves inconsistências na fundamentação da decisão” de anulação de acordos pelo ministro Toffoli.
A anulação de mais de centena de casos no Brasil é destacado no relatório como o “mais grave descumprimento, pelo Brasil, da Convenção contra o Suborno Transnacional da OCDE, figurando no topo da lista de violações sobre as quais o país, como signatário da convenção, deverá prestar contas.”

Toffoli é possível beneficiado por anulação
Ao anular os acordos de leniência, Toffoli suspendeu, sempre sozinho, multa recorde aplicada ao grupo J&F de R$ 10,3 bilhões e já em 2024, estendeu a decisão à multa de R$ 8,5 bilhões da Odebrecht (Novonor).
Em relação à decisão referente ao grupo dos irmãos Batista, há para a TI “inconsistência argumentativa e conflito de interesses ainda mais evidentes,” já que a J&F sequer havia sido investigada pela Lava Jato e a esposa do ministro, revelou a imprensa, advogava para o grupo.
No caso da Odebrecht, havia interesse da empresa em construir a usina hidrelétrica de Santo Antônio, no Rio Madeira, em Rondônia, e Dias Toffoli era então advogado-geral da União. Marcelo Odebrecht, presidente da empresa, estava tendo dificuldades para ganhar a licitação no governo de Dilma Rousseff em função de preço de energia a ser cobrada.
Foi encontrada uma prova da ligação entre eles, e anulada, tratando-se do e-mail que citava o “amigo do amigo de meu pai” no contexto de acertos com autoridades, além do depoimento de Marcelo. A Odebrecht confirmou que o codinome se referia ao então advogado-geral da União, Dias Toffoli.
A última decisão isolada de Toffoli ocorreu em fevereiro último, quando ele anulou todos os processos da Lava-Jato contra o ex-ministro da Fazenda de Lula e ex-ministro de Dilma Rousseff Antônio Palocci. Ele fez delação e confessou crimes.