Será uma desmoralização para a gestão recém iniciada – e aparentemente bem – do ministro Luiz Fux na presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) caso em sessão virtual prevista para esta sexta-feira, 4, a Corte endosse o “casuísmo tacanho,” para usar palavras do deputado Artur Lira (Progressistas-AL), em curso no Congresso Nacional para reconduzir Rodrigo Maia (DEM-RJ) e David Alcolumbre (DEM-AP) a um novo mandato na direção respectivamente da Câmara dos Deputados e Senado Federal.
A Constituição veda a recondução de um novo mandato, expressando de forma clara no § 4º do artigo 57 o que cabe ao Supremo reafirmar, afinal guardião da norma constitucional: Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subseqüente (grifo meu).
Ocorre que, nos últimos dias, colunistas políticos sérios de Brasília dizem que o STF vai lavar as mãos, apresentando uma saída jurídica para dar resposta à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) apresentada pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), e no final concluindo que cabe ao conjunto de parlamentares do Congresso Nacional decidir o assunto, com o argumento de que é uma questão “interna corporis”, sublinha a colunista Vera Rosa em texto fundamentado publicado nesta quinta-feira, 3, no Estado de São Paulo, cujo título é “Supremo deve abrir caminho para reeleição no Congresso e caso Lira preocupa Planalto.”
Perpetuação de poder
Decididamente, o STF não pode se fingir de morto para a costura casuística que movimenta os bastidores do parlamento brasileiro. Um partido, no caso o DEM, e seus principais representantes trabalham em causa própria, sem respaldo constitucional, indicando o desejo de se perpetuar no poder, e agora que as urnas reverberaram um claro fortalecimento da legenda a agitação em Brasília para impedir um nome alinhado ao governo de Jair Bolsonaro é patente.
Ao vetar um tempo longo na presidência das duas casas, o constituinte de 1988 mandou um recado, frisa o PTB: “Evitar que maiorias se instalem e se perpetuem no poder, sem dar espaço à competição e possibilidade de mudança, preservando o princípio republicano.”
Perfeito. O princípio republicano valoriza a alternância de poder, contrapondo-se a sistemas autoritários que impedem a oposição e demais interessados de concorrer, com chances de vitória. O poder de um presidente da Mesa Diretora da Câmara ou do Senado é gigante: eles pautam os projetos que querem, independentemente se forem bons para o Brasil ou não. Consideram em primeiro lugar, muitas vezes, seus interesses de grupo, e se estiverem estremecidos com o governante de plantão manipulam esse poder em momentos distintos.
Rodrigo Maia ao longo dos meses tem se mantido mais reservado quanto à recondução no cargo, e já ate promoveu reunião com partidos de esquerda e de centro para discutir sua sucessão, quem sabe um nome que se contraponha ao do presidente Jair Bolsonaro, o deputado Artur Lira. Que trabalha há tempos para suceder Maia, tem apoio do Planalto, mas tudo pode mudar por conta do rescaldo de uma denúncia contra ele sobre rachadinha quando era deputado estadual de Alagoas.
O DEM é o dono do jogo
O fato é que só se fala na recondução a que Alcolumbre demonstra mais querer do que Maia, encerradas as eleições no país, e a nova composição da Mesa Diretora das duas Casas é instrumento para dar respaldo a projetos eleitorais para a presidência da República em 2022. O DEM é o dono do jogo, mas a caneta do Planalto atrapalha a partida. Não é coisa de amador o que se assiste.
É de bom tom lembrar que Maia está no cargo desde quando Eduardo Cunha perdeu o posto, por conta das denuncias que culminaram em sua prisão, em 2016. Ficou, e foi reeleito em 2018, em nova legislatura.
O PTB traz à tona um parecer de 1998, do Senado, que serve somente para gerar insegurança jurídica, ignorando princípio constitucional claríssimo que veda a recondução, não importa se seria em nova legislatura.
Vou tentar explicar a falta de lógica colocada no parecer, mas antes é preciso esclarecer como funciona a legislatura. A cada eleição para o parlamento temos uma nova legislatura, e na Câmara ela será de 4 anos, o tempo de um mandato de deputado, e no Senado de 8 anos, abrangendo duas legislaturas, do 1º ano ao 4º e do 5º ao 8º. A eleição para presidir as casas vale por dois anos, então no caso da Câmara Baixa serão duas eleições, no 1º e 3º ano, e para a Câmara Alta, o Senado, serão quatro, no 1º, 3º, 5º e 7º anos.
Pois bem. O parecer que serve para minar a Constituição, como se tivesse força para isso, atenta para a norma ao dizer que o deputado eleito para compor a Mesa no 1º ano do seu mandato não seria possível ser reconduzido à Mesa no 3º ano. Mas, se eleito no 3º ano, poderia ser reconduzido no 1º ano do mandato seguinte, pois se trataria de uma nova legislatura!
Nova legislatura: o constituinte não fez distinção
Essa interpretação é absurda, e a peça do PTB remete à uma conclusão mais do que lógica na leitura do parágrafo 4º do artigo 57. “Em momento algum a Constituição restringe a vedação que impõe à uma legislatura específica. A regra é mais simples do que isso: se foi eleito, não poderá ser reeleito na eleição imediatamente subsequente, independentemente da legislatura.”
Para a Constituição não importa se é a eleição do primeiro, do terceiro do quinto ou do sétimo ano da legislatura. Evidente que se para o constituinte isso importasse ele teria feito essa distinção.
De modo que o partido pede ao STF que deixe claro que um instrumento como um parecer ou regimento não pode assacar dúvidas sobre o que diz a Constituição, devendo a justiça maior do país preservar sua vontade. Com isso, os ministros agiriam protegendo a supremacia da lei maior no ordenamento jurídico pátrio. É de sua competência, aliás.
Caminho ruinoso
O partido considera que o parecer motiva a ação porque tem o condão de propor violação à nítida norma constitucional, requerendo medida cautelar para que o STF estabeleça, não em caráter monocrático, mas em Plenário, que a vedação constitucional à reeleição ou recondução à Mesa na eleição imediatamente subsequente se aplica nas eleições que ocorram na mesma legislatura ou em legislaturas diferentes.
O Brasil, meus amigos, é surreal, não é mesmo para amadores. Gasta-se dinheiro do contribuinte e tempo da Justiça para dar vazão a um casuísmo despudorado, decidir sobre o que não deveria ser cogitado. A interpretação sobre a vedação é única entre juristas.
Depois os congressistas reclamam da interferência do STF. Se a Corte lavar as mãos nesta sexta-feira, como relatam jornalistas, será mais um golpe na democracia, e um conluio de poderes que só enfraquecem a confiança nas instituições. Um caminho ruinoso para o país.