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“A pandemia tem provocado sofrimento grande para todos, e para os profissionais de enfermagem ainda mais”  

Tivemos 43 óbitos de profissionais de enfermagem e tivemos milhares de profissionais em Rondônia que adoeceram da Covid-19, diz Manoel Neri. Foto: Divulgação.

Entrevista

Manoel Neri Carlos da Silva, presidente do Conselho Regional de Enfermagem de Rondonia (Coren-RO)

Rondônia paga hoje um dos piores salários para os profissionais públicos estaduais na área da enfermagem. São muito ruins. E há mais de 11 anos sem aumento. 

Depois de ter presidido por três vezes o Conselho Federal de Enfermagem, Cofen, o enfermeiro Manoel Neri Carlos da Silva passou a dirigir neste ano de 2021 o Conselho Regional de Enfermagem de Rondônia (Coren). Chegou na fase mais crítica da pandemia do novo coronavírus, com mais sobrecarga de trabalho e superlotação de UTIs, esgotamento físico e emocional dos profissionais de saúde, especialmente da enfermagem, provocando ações de fiscalização com o intuito de assegurar “que Rondônia tenha um número suficiente de profissionais de enfermagem para atendimento cada vez melhor e com mais qualidade para a população do estado.”

“A pandemia afetou muito os profissionais de enfermagem em Rondônia e no Brasil. Aqui tivemos 43 óbitos de profissionais de enfermagem e milhares adoeceram com a Covid-19, alguns ficaram com sequelas. Essa demanda toda de pacientes com gravidade muito grande aumentou muito o desgaste físico e emocional das equipes de enfermagem em todos os serviços,” diz.

As fiscalizações feitas pelo Coren, como a que foi feita no hospital de campanha da zona leste em Porto Velho – na qual se constataram larvas na boca de um paciente -, contribuem para que os gestores garantam melhores condições de trabalho para os profissionais da saúde e reponham os que se afastam em quarentena, vítimas da pandemia.

“Acho que o grande desafio para todo mundo é ultrapassarmos esse período que tem provocado um sofrimento muito grande para todos nós e para os profissionais de enfermagem ainda mais,” disse Manoel Neri.

Em Rondônia são 18 mil enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem. 8.575 de Porto Velho, inscritos no Conselho. O outro braço de atuação, oportuna por causa de visibilidade obtida na pandemia, é a retomada da luta para se fixar um piso salarial nacional para estes trabalhadores. Uma proposta avança no Senado: é o Projeto de Lei (PL 2564). Manoel Neri conversou com o Blog na quinta-feira. Veja na íntegra:

Blog da Mara – De que forma o Coren em Rondônia enfrenta o desafio da pandemia do novo coronavírus? As fiscalizações nas unidades hospitalares são constantes?

Manoel Neri – Temos mantido todos os serviços presenciais e também incrementamos os serviços on-line, hoje várias demandas podem resolver junto ao Coren pela internet, e mantivemos os serviços de fiscalização durante todo esse período, principalmente de atendimento de denúncias para feitas por profissionais de enfermagem relativas à Covid -19 em todo o estado de Rondônia. Eu diria que o maior desafio para nós, não apenas enquanto conselho de enfermagem, que é órgão voltado para fiscalização e disciplina do exercício profissional de enfermagem, mas também para todo setor de saúde, é podermos vencer esta pandemia, podermos voltar pelo menos a um novo normal. O grande desafio para todo mundo é ultrapassarmos esse período que tem provocado um sofrimento muito grande para todos nós e para os profissionais de saúde, de enfermagem ainda mais.

Blog da Mara – Qual é a situação dos profissionais de enfermagem de Rondônia?

Manoel Neri – A pandemia afetou muito os profissionais de enfermagem em Rondônia e no Brasil todo. Aqui tivemos 43 óbitos de profissionais de enfermagem e tivemos milhares de profissionais que adoeceram da Covid-19, alguns ficaram com sequelas, e essa demanda toda de pacientes com gravidade muito grande aumentou muito o desgaste físico e desgaste emocional das equipes de enfermagem em todos os serviços. Para se ter uma ideia, nos já tínhamos um problema muito grande de subdimensionamento dentro dos serviços de saúde, que se agravaram ainda mais na pandemia, porque aumentou o número de adoecimento dos profissionais de enfermagem, de afastamento do serviço, e isso acaba por sobrecarregar aqueles que ficam para garantir a assistência à população.

Blog da Mara – Vi que o Coren Rondônia inclusive entrou com ação para que sejam contratados mais profissionais. Os gestores têm contratado, buscando suprir as ausências?

Manoel Neri – Na verdade, já entramos com diversas Ações Cíveis Públicas, tanto com relação a hospitais estaduais como em relação a hospitais municipais, em Porto Velho e no interior do Estado.  Mas a ação judicial é o último procedimento que fazemos. Geralmente fiscalizamos os serviços quando constatamos o subdimensionamento, ou seja, que o número de profissionais não é adequado para atender a quantidade de pacientes; nós notificamos o serviço aí damos prazo inclusive para a resposta. Quando não há iniciativa por parte dos gestores, aí sim acionamos judicialmente via justiça federal.

Uma coisa que quero pontuar é que tem havido também processos seletivos simplificados para contratação de profissionais de enfermagem e outros profissionais de saúde. De certa forma tem havido esforço dos gestores para fazer contratações exatamente em função do aumento da demanda de serviço, e inclusive por causa da criação de novos serviços, como foram os casos dos dois hospitais de campanha instalados em Porto Velho. O objetivo do Coren é que tenha o um número suficiente de profissionais de enfermagem para garantir atendimento cada vez melhor e com mais qualidade para a população do nosso estado. As ações fiscalizatórias de rotina foram suspensas, mas as relativas à Covid-19 estão sendo feitas, inclusive as três denuncias por exemplo feitas sobre o hospital de campanha da zona leste foram confirmadas.

Blog da Mara – O Estado tem dificuldade para contratar médicos, convocações são feitas por várias vezes em editais. É fácil contratar profissionais de enfermagem?

Manoel Neri – Hoje em Rondônia temos mais de 18 mil profissionais de enfermagem, entre enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem. Temos acompanhado e tem havido a contratação. O problema que enfrenta a nossa área, mas também a própria medicina e fisioterapia, é a falta de especialistas na terapia intensiva. Não há um número de especialistas suficientes. Essa é uma dificuldade maior, isso tem levado por exemplo à contratação de profissionais recém-formados, e muitas vezes colocando esses profissionais para trabalhar diretamente com pacientes em UTI. Sem muitas vezes um treinamento inicial, uma capacitação, para que possam de fato ter melhor domínio do manejo com paciente crítico. Talvez esse seja o maior problema, a contratação de especialistas em UTI, principalmente o manejo para pacientes com Covid. É um problema de Rondônia, mas também em todos os estados. Tanto na área de enfermagem quanto na medicina.

Na verdade, tem de ter um programa de capacitação continua mesmo. Futuramente é preciso construir políticas públicas para aumentar o numero de especialistas nesta área de terapia intensiva, até porque nós poderemos enfrentar outras emergências na área de saúde publica futuramente.

Blog da Mara – O que foi encontrado no hospital de campanha de Porto Velho, um paciente com larvas na boca, é um ponto fora da curva?

Manoel Neri –  Não é usual, comum, e na verdade estamos apurando um procedimento ético, a responsabilidade em relação a estes fatos. Isso reflete exatamente o que falamos – falta de capacitação, de treinamento e numero mais adequado de profissionais para atender a população. É fruto dessa conjuntura. Só para ter uma ideia recebemos três denuncias de profissionais de enfermagem em relação ao Cero (Centro de Reabilitação de Rondônia, que se tornou hospital de campanha). Todas procedentes.

Nós estivemos lá e vimos muita falta de condições de trabalho para a equipe atuar. Uma das denúncias confirma que o local onde os profissionais descansam quando estão nos plantões, muitas vezes  de doze e 24 horas seguidas, é inadequado; profissionais dormem até em papelão, no chão, banheiro entupido, então veja bem que a condição de trabalho não é boa, então é preciso de fato que tenha um esforço das autoridades para oferecer melhores condições de trabalho para a saúde como um todo.

O Coren, quando fiscaliza, tem por objetivo prestar melhor assistência à população, e para que os profissionais ofereçam o melhor, é preciso dar dignidade, condições de trabalho. Dotar a unidade com a quantidade suficiente de profissionais e ambiente de trabalho adequado. Porque as equipes estão extremamente sobrecarregadas, temos um índice de adoecimento mental e sofrimento emocional muito grande em função de toda essa sobrecarga na linha de frente; há mais de um ano que estamos na linha de frente tratando a Covid-19.

É preciso melhorar o salário também, de todos os profissionais e não apenas dos médicos como tem feito o governo do Estado. Rondônia paga hoje um dos piores salários do Brasil para os profissionais públicos estaduais na área de enfermagem São muito ruins. Se pegarmos os 27 estados, Rondônia está na 23 posição. São mais de 11 anos sem reajuste salarial na área de enfermagem. Isso leva a grande maioria a ter mais de um emprego, as vezes até três empregos. Isso também sobrecarrega e afeta o atendimento.

É preciso que o governo do Estado tenha uma sensibilidade maior para melhorar as condições de trabalho dos profissionais de enfermagem; o que temos visto é o governo buscar melhoria salarial apenas para a categoria médico.

Blog da Mara – Tramita há quase um ano no Senado Federal o Projeto de Lei (PL 2564) do senador Fabiano Contarato (ES) que altera a lei que regulamenta a profissão de enfermagem para se instituir o piso salarial nacional. É possível aprovar este ano?

Manoel Neri – O primeiro projeto de lei que tentou estabelecer piso salarial nacional, necessário para melhorar a saúde do Brasil, pois se trata da principal força de trabalho tanto no setor privado quanto público, representando 60 por cento dos profissionais de saúde do país, é de 2009, de autoria de Mauro Nazif. Ele foi reapresentado na Câmara dos Deputados em 2016, e tramita desde então. E lá tem três projetos tramitando que visam aprovar o piso. Este no Senado é de 2020, vejo uma mobilização muito grande, nacional, nas redes sociais, cobrando das bancadas de senadores dos estados para que seja votado. Os Conselhos de Enfermagem junto com outras organizações de enfermagem têm feito gestão muito grande com os senadores e presidente do Senado para que coloque em pauta. Temos tido aliás a solidariedade de artistas de renome nacional, que tem defendido a aprovação deste projeto de lei, como reconhecimento a dedicação dos profissionais de enfermagem no combate à pandemia. Alias, 2020 foi o Ano Internacional da Enfermagem declarado pela OMS (Organização Mundial de Saúde).

Eu vejo que há possibilidade do projeto ser votado no Senado e aprovado ainda este ano. A grande luta é conseguir aprovar na Câmara dos Deputados. Existe uma bancada muito grande ligada ao setor privado de saúde, que é totalmente contrário não somente ao piso salarial como à regulamentação da jornada de trabalho em 30 horas semanais, que tramita no Congresso Nacional desde o ano de 2000.  Podemos enfrentar grandes obstáculos principalmente na Câmara dos Deputados. Haverá de se adotar novas mobilizações para isso.

Blog da Mara – Vi diversas entidades do setor hospitalar, santas casas, se manifestarem contra o projeto. É por causa do ônus financeiro?

Manoel Neri – Sim, alegam que o impacto financeiro é muito grande e não seria suportável. Em nossa opinião, o impacto financeiro é perfeitamente suportável pelo setor privado. Não vai quebrar. Aliás, hoje saiu uma matéria nos principais sites de notícias nacionais sobre a lista de milionários na revista Forbes. E lá figuram pelo menos quatro ou cinco nomes do setor privado da área de saúde de rede hospitalar e planos de saúde. O setor privado está indo muito bem financeiramente, inclusive neste período de pandemia. Investir em recursos humanos e melhorar condições de trabalho tem de ser encarado como investimento para melhorar os serviços prestados à população.