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A reeleição nasceu corrompida no processo democrático brasileiro  

Caiado diz que com a reeleição os governos e prefeituras se transformaram em máquinas partidárias.
Ronaldo Caiado, governador de Goiás. Foto: Roque de Sa.

O instituto da reeleição no Brasil nasceu de forma corrompida: com a denúncia da compra de votos no Congresso Nacional para aprovação da emenda que mudou a Constituição, em 1997.

Governava o país Fernando Henrique Cardoso, que em seus Diários da Presidência, nas anotações do segundo ano de gestão, 1996, fala muito do assunto, e a cada interlocutor alvoraçado que recebia para especular sobre isso dizia ter de tratar da reeleição com cuidado, queria separar a tese da reeleição da sua vontade pessoal. Demonstrava contudo ser favorável, recebia pesquisas do Ibope que o colocavam bem na foto para o pleito de 1997.

Muito tempo depois, em 2007, durante sabatina promovida pelo jornal Folha de São Paulo, FHC não negou que tenha ocorrido a compra de votos: “Houve compra de votos? Provavelmente. Foi feita pelo governo federal? Não foi. Pelo PSDB: não foi. Por mim, muito menos; confissão gravada de 2 deputados federais do Acre que diziam ter votado a favor da emenda da reeleição em troca de R$ 200 mil recebidos em dinheiro. Outros três deputados eram citados de maneira explícita e dezenas de congressistas teriam participado do esquema. Nenhum foi investigado pelo Congresso nem punido.”

Impunidade conveniente. E assim a instável democracia de então é conspurcada pelo instituto da reeleição, por conta da vaidade de FHC. O ex-presidente contribuiu para que os termômetros da corrupção política tivessem a partir de então a elevação indesejada, em um país altamente corrupto, e isso porque não somos – nem naquela época e nem agora – uma democracia consolidada, de instituições fortes, valorizadas pela sociedade.

Pelo contrário: a desigualdade brutal numa das economias mais fortes do planeta revela fragilidade democrática e que a reeleição tem favorecido os que governam em permanente campanha eleitoral, com os olhos voltados para as pesquisas de opinião, sem enfrentar questões complicadas, favorecendo a si próprio e grupos partidários.  Aqueles que governam com inteligência, capazes de identificar os verdadeiros problemas e se esforçam para unir a nação, fazem diferença. É claro que o executivo não é responsável sozinho pelas mazelas nacionais, mas no Brasil ele pode muito realizar.

Com a reeleição, os governos e prefeituras se transformaram em máquinas partidárias, nas palavras do hoje governador Ronaldo Caiado (DEM), e para o ex-ministro Sergio Moro, em artigo publicado nesta segunda-feira 23, na Revista Crusoé, a reeleição deveria ser extinta. “Na América Latina, onde a estabilidade institucional ainda está em construção, a reeleição é de todo inconveniente, como a história tem nos ensinado. Deve ser suprimida como o primeiro remédio contra os riscos autoritários ou de desvios de poder,” disse ele.

Para o ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Torquarto Jardim, a reeleição é mais preocupante nas campanhas de governadores e prefeitos.  “A reeleição de presidente da República não me preocupa porque a mídia a faz razoavelmente transparente. Nos municípios e estados, todavia, onde a mídia é usualmente de propriedade de um mesmo chefe político, a manipulação não permite o conhecimento mínimo das tramóias da gerência pública.”

Fato. E se a mídia não é de propriedade de um mesmo chefe político, ela é subordinada economicamente às instâncias governamentais municipais ou estaduais, limitando a produção de informação para o distinto público.

Existem diversas emendas tramitando no Congresso Nacional para acabar com a reeleição, mas há quem a defenda com o argumento de que ela possibilita uma visão de longo prazo dos governantes, que se produzirem esforço e resultado será naturalmente possível sucederem a si próprios.  É uma tese.

Com lupa quase sempre a postos para escrutinar resultados de governo, eleições e ações partidárias, vejo que a reeleição tem produzido mais malefícios do que benefícios. A reeleição agrava a desigualdade de condições nas campanhas eleitorais. A opção melhor, a meu ver, seria o alongamento do mandato.

Favorecido pela emenda de 97, FHC se penitenciou em recente artigo, este ano, admitindo ter sido um erro. “Tinha em mente o que acontece nos Estados Unidos. Visto de hoje, entretanto, imaginar que os presidentes não farão o impossível para ganhar a reeleição é ingenuidade,” disse.

Fazem o diabo, disse uma presidente reeleita e depois afastada do poder.