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Sem nunca ter aplicado multas, Procon-RO inicia a prática e consegue aprovar lei inédita

"A digitalização não bastava. Precisávamos garantir que o consumidor poderia abrir o processo no conforto da casa dele", diz Ihgor Jean Rego. Foto: Arquivo Procon-RO.
Coordenador do Procon-RO, Ighor Rego.

Entrevista: Ihgor Jean Rego, coordenador estadual do Procon.

Gestão que assumiu há 9 meses propôs ao governador Marcos Rocha a criação da Escola Superior de Defesa do Consumidor.

Sem nunca ter aplicado multas em decorrência de autuações feitas, o Programa de Orientação, Proteção e Defesa do Consumidor (Procon-RO) deixou essa omissão para traz. Há indicativos de que um novo caminho persegue o fortalecimento de ações para a garantia de proteção e defesa do consumidor de forma mais efetiva.

“Nunca o Procon havia aplicado multas, nunca havia sido interditado estabelecimentos e nem feita apreensão de alimentos impróprios para consumo”, disse ao Blog da Mara, o coordenador estadual do Procon Ihgor Jean Rego. Advogado, mestre em Direito e professor da Faculdade São Lucas, ele assumiu o cargo justo quando a pandemia do coronavírus se instalava entre nós, em março.

O desafio imposto pela crise sanitária, que impediu o funcionamento regular dos órgãos públicos, e assim tornou o atendimento presencial inicialmente impossível e depois limitado, desencadeou soluções para que o consumidor não ficasse sem amparo e o cuidado com a saúde colocou os fiscais nas ruas.

“O Procon não tinha condições de fazer de outra maneira o que não estava habituado”, conta Ihgor. Foi instituída uma força-tarefa para digitalizar cerca de 15 mil processos de atendimento de 2019 e parte de 2020, viabilizar atendimento para reclamações e denúncias online e desencadear fiscalizações para cumprimento de medidas de ordem sanitária e de checagem de preços, majorados de forma abusiva em alguns casos, no decorrer da pandemia. Por causa dela, o número de atendimentos reduziu, e em Porto Velho a campeã de reclamações é a empresa de energia. Ao Blog, Ihgor falou sobre essa travessia até agora:

Blog da Mara -Vou começar perguntando quando o sr. assumiu o Procon, como encontrou o órgão e como está agora.

Fiscais em atuação nos dias de pandemia. Foto: Procon-RO.

Ihgor Rego – Assumi em março deste ano. O Procon tinha um atendimento satisfatório à população, em 2019 foram realizados mais de 32 mil atendimentos aos consumidores, média de 120 atendimentos/dia, mas o problema foi que no estado de calamidade pública tivemos que diminuir o atendimento. Houve limitação no ingresso de pessoas dentro dos prédios públicos. O Procon não tinha condições de fazer de outra maneira o que não estava habituado. Decidimos instituir uma força-tarefa dentro do órgão, digitalizamos de 10 a 15 mil processos, e nas unidades do interior também houve a digitalização. Conseguimos cumprir com nossa missão. Hoje todos os processos são digitais, antes eram um caderno com tudo anotado, manual, agora o consumidor não precisa mais vir ao órgão para acompanhar o andamento do processo dele; ele pode fazer a consulta do processo dele na internet.

Blog da Mara – E os novos processos? Como o consumidor pode apresentar queixas e reclamações?

Ihgor Rego – Então, a digitalização não bastava. Precisávamos garantir que o consumidor poderia abrir o processo no conforto da casa dele. Foi aí que criamos um portal para recebimento de reclamações e denúncias. Por exemplo, comprei um produto, deu defeito e a indústria não quer reparar. Antes, tinha de ir ao Procon. Agora, o portal www.procon.ro.gov.br  recebe as reclamações e denúncias online e está ao alcance do Estado todo. Antes, apenas os municípios onde há Procon poderiam atender as demandas, ou o consumidor se deslocar, agora não.

Blog da Mara – A digitalização e atendimento virtual surgiram do zero?

Ihgor Rego – Pegamos do zero, e inclusive outras ações foram desencadeadas, ações que resultaram em benefício para a administração pública. A administração pública deixou de ter um gasto muito grande com papel, encadernações, resmas, toner de impressora e fora o trabalho de compra de capa para os processos. A otimização do tempo também. Não é preciso mais ir até outro prédio público para obter uma informação, um processo, um documento.

Além disso, as comunicações do Procon eram feitas pelo correio, como por exemplo enviar notificação a uma empresa para audiência. O gasto mensal era de R$ 25 mil. Firmamos um convênio com as empresas mais demandadas do Estado, como a Energisa, Caerd, Bemol, todas as maiores empresas. Estabelecemos um termo no qual todas as comunicações referentes a processos em que estão envolvidas são realizadas por meio de um email único. Ainda temos gasto com correio, mas agora é de apenas 2 mil reais.

As demandas do consumidor de todo o país são cadastradas na plataforma do Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor, Sindec, e guardados em nuvem. O portal criado dá acesso para iniciar uma reclamação.

Blog da Mara – Há um prazo para o Procon responder ao consumidor que fez uma denúncia?

Ihgor Rego – A ideia é a de que no máximo em 48 horas ele tenha a confirmação do atermador (pessoa que recebe o relato da demanda) de que está aberto o processo dele, para acompanhar no site mesmo ou entrar em contato conosco na central de atendimento do Procon, número 151. Solicitamos a compra de vários aparelhos, máquinas digitalizadoras, para atender nossas unidades e agilizar o trabalho. São recursos do Fundo Estadual de Defesa do Consumidor (Fundec). Nossas regionais são em Guajará-Mirim, Ji-Paraná, Ariquemes, Porto Velho, Rolim de Moura, Vilhena e Ariquemes.

Blog da Mara – De que forma o Procon enfrentou a pandemia e quais ações foram executadas?

Ihgor Rego – De março a junho o prédio ficou fechado, o grande fluxo de demanda é presencial, mas a população está tendo que se habituar, muitos ainda não tomaram conhecimento do atendimento online, colocamos inclusive dois números de whatsapp para atendimento. Hoje está normalizado, se a pessoa quiser vir até o Procon já pode. Fizemos muitas fiscalizações, para saber se o comércio estava cumprindo o padrão sanitário exigido por causa da crise sanitária, e preço. Inclusive eu mesmo sai em fiscalização de Guajará-Mirim até Vilhena. Fizemos vários autos de infração. Veja que em março o litro de álcool estava sete reais, constatamos aumento para 20 reais depois. É uma situação que a pessoa está tentando tirar vantagem daquele momento de insegurança do consumidor. Lavramos 700 autos, muitos deles podem vir a se tornar em punições com aplicação de multas.

Blog da Mara – As multas são aplicadas em que valores?

Ihgor Rego – Depende do tipo de infração, do porte da empresa e da vantagem econômica obtida mediante uma prática de preço abusiva. O que a indústria aumenta, passa para a distribuidora e depois passa para o mercado tem como justificar se o mercado repassa ao consumidor só aquele alinhamento de preço. Agora existem práticas lesivas mesmo ao consumidor. É algo inédito o Procon ter realizado essas fiscalizações e lavrado autos de infração que geraram decisão de multa. Nunca havia sido aplicado multa, nunca havia sido interditado estabelecimento nem apreensão de alimentos impróprios para consumo. Estas essas ações de fiscalização nunca haviam sido implementadas antes.

Blog da Mara – O que encontraram além de preços elevados em alguns casos?

Ihgor Rego – Uma das grandes dificuldades é a comercialização de produtos vencidos. Encontramos lotes inteiros de produtos vencidos, margarina, queijo, requeijão, e as pessoas compram muitas vezes sem saber. Apreendemos muito mesmo. Nem cabia na nossa caminhonete. A partir disso, surgiu a criação de uma segunda lei que torna todo cidadão agente de fiscalização e se você encontra um produto com prazo de validade vencido, por exemplo um lote de 20 margarinas todas com prazo de validade vencido, você chama o responsável, mostra o problema e o supermercado terá de recolher. E o consumidor vai ter direito a uma margarina.

O Procon vai no supermercado, faz apreensão e aplica multa que pode variar de 5 a 10 mil reais. Se aplicarmos esse instrumento, de forma gratuita, com o consumidor contribuindo inclusive com a vigilância sanitária, o empresário terá nova postura, para ele o gasto será menor.

Blog da Mara – O que mais ocorreu em 2020 até o momento?

Ihgor Rego – Temos projetos de interesse do consumidor. Uma primeira lei aprovada agora em outubro é uma lei que define quais são os bens essenciais indispensáveis ao consumidor e que, portanto, se apresentarem defeito exigirão reembolso imediato ou substituição do produto. por parte da empresa. Um exemplo: uma geladeira que não funciona adequadamente. Se levar para a indústria a reclamação vão levar para uma oficina e, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, a geladeira poderá ficar até 30 dias no local. A substituição imediata ou reembolso do valor evita dor de cabeça. Vai valer para uma cama, colchão, fogão, celular, computador pessoal. Houve uma discussão sobre esses bens, e já foi publicada a lei no final de outubro. É inédita no Brasil, e tem respaldo do Código do Consumidor.

Blog da Mara – De que forma os empresários reagiram à lei?

Ihgor Rego – Fizemos reunião com empresários, foram super receptivos, e não é ideia do Procon embargar ou promover embaraços com nenhum setor do comercio, setores empresariais. Temos canal de diálogo aberto no Estado. Por acordo, decidimos por um prazo de 90 dias para que a lei seja efetivamente colocada em vigor, para que eles criem instrumentos de atendimento ao consumidor, para que façam a substituição imediata do produto. A partir de 27 de janeiro a lei irá valer.

Blog da Mara – Sabemos que o Procon não tem quadro próprio de pessoal. Como está a estrutura do órgão?

Ihgor Rego – O Procon é vinculado ao Poder Executivo (desde junho de 2019 ligado à Superintendência Estadual de Desenvolvimento Econômico e Infraestrutura do Estado de Rondônia – Sedi). Não temos independência, e nossos cargos são todos comissionados. Fiz um levantamento, um estudo, para transformar o Procon em autarquia. E assim viabilizar um quadro próprio, fazer concurso, contratar. Mas depende de orçamento, recursos, vamos ver.

Na semana passada, apresentei ao governador Marcos Rocha a proposta de criação da Escola Superior de Defesa do Consumidor. Ela promoverá  capacitação, possibilitará a discussão acadêmica sobre direitos do consumidor, introduzir o assunto nas escolas de nível médio e fundamental e poderá fazer workshops para empresários conhecerem mais o assunto, evitarem irregularidades. Para levar adiante este projeto, que o governador pode viabilizar por decreto, temos disponível R$ 500 mil do Fundec.

Blog da Mara – Quais são hoje as empresas ou setores que recebem mais reclamações do consumidor?

Ihgor Rego –   A de energia e empresas de telefonia. A cobrança de valor superior à média que vem sendo consumida de energia é a principal reclamação. O consumidor diz que a conta só aumenta e o seu padrão de consumo é o mesmo, não modificou o padrão de consumo. Reclamam de aparelhos que queimam com a instabilidade, cortes de energia feitos mesmo com a fatura paga, enfim, são as mais variadas e diversas reclamações. Na telefonia tem a cobrança indevida de internet, é uma situação recorrente, era para pagar R$ 150,00 pelo plano adquirido e a conta veio R$ 900,00. Historicamente o setor de telefonia sempre foi uma das campeãs de reclamação, cobrança indevida, contrato de fidelização etc.

Blog da Mara – Este ano de 2020 a Energisa e outras empresas que prestam serviços essenciais foram multadas?

Ihgor Rego – Existem autos de infração contra elas – saneamento e distribuição de energia elétrica -, mas ainda não tem decisão de multa. É provável que sejam homologados esses processos, após os autos lavrados, e a empresa terá o direito de defesa.