Já disse em outro Contraponto que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso contribuiu, ao apoiar a emenda da reeleição, em 1997, para que os termômetros da corrupção política tivessem a elevação indesejada, tornando os governos “máquinas partidárias,” como bem disse certa vez o então senador Ronaldo Caiado.
É no que se tornaram mesmo. O partido do vencedor e legendas aliadas fazem o diabo pela reeleição, como disse certa presidente, a partir do momento que se acomodam em nacos de poder.
Somente Jair Bolsonaro não foi reeleito, embora tivesse azeitado a “máquina partidária” com gosto. A toque de caixa, com o orçamento secreto garantindo toda estripulia orçamentária necessária para fisgar eleitores e assim obter o intento do segundo mandato, aprovou o que quis.
Seu insucesso eleitoral é ponto fora da curva, mas a seu favor não se diga que foi o único a aparelhar a estrutura de Estado, de maneira e forma diferenciadas, ou parecidas, para ter outro mandato imediato. Chegado ao poder, não apenas ele decidiu se manter no palanque. Luiz Inácio Lula da Silva assim age agora, repetindo o passado de sucesso.
O mecanismo da reeleição nasceu no Brasil de forma corrompida, com a compra de votos no Congresso Nacional para aprovação da emenda que mudou a Constituição Federal de 1988. Não teve um debate apropriado; a vaidade e ambição do professor e sociólogo impediram de se dar um basta nas festivas tratativas e apoio dados por sua turma a sua recondução ao poder central.
Até pesquisas foram feitas pelos congressistas e ministros do entorno de FHC para que houvesse convencimento.
Na obra “Diários da Presidência,” na nota do dia 5 de novembro de 1995, ano em que os mais próximos faziam a sondagem palaciana para defesa de uma emenda, ele registra: “Tenho muito receio das consequências do instituto da reeleição para o Brasil.”
FHC sempre tentou se esquivar sobre a compra de votos, comprovada em matéria de Prêmio Esso do jornalista Fernando Rodrigues, hoje proprietário de Poder360. As consequências são desastrosas para a democracia. Além de inflar a corrupção, essa regra demonstra uma enorme vantagem do presidente, dos governos e prefeitos em exercício sobre os demais candidatos.
Autor da PEC 12/2022, na qual se restabelece o fim da reeleição para cargos do executivo, propondo-se a volta do mandato de cinco anos, o senador Jorge Kajuru (Podemos-GO) observa que “a concorrência entre os mandatários e os demais candidatos é desigual e a derrota dos candidatos à reeleição ocorre em circunstâncias muito particulares.”
O Brasil esquece sua história. A tradição republicana sempre vedou a reeleição para o período imediato no plano federal. Os constituintes-legisladores, desde 1891 – primeira Constituição republicana – sempre rechaçaram a ideia, embora os governadores, na República Velha, pudessem reeleger-se.
A sabedoria dos políticos na tradição a tornou proibitiva porque os abusos desse instrumento são intermináveis e, doloroso registrar, a imprensa toda à reeleição faz apologia, colocando em evidência a possibilidade do eleito ser reconduzido tão logo ele senta a cadeira na Presidência.
Basta pesquisar, e veremos fartas manchetes sobre reeleição ao longo de 2023, primeiro ano do terceiro mandato de Lula.
Na campanha, em julho de 2022, ele dizia, talvez por causa da idade, à Rádio Metropóle, da Bahia: “Eu não vou ser um presidente da República que está pensando na sua reeleição. Eu vou ser o presidente que vou estar pensando em governar este país por quatro anos e deixá-lo tinindo para que o povo brasileiro recupere definitivamente o bem-estar social, a alegria, o prazer de viver, o prazer de ser baiano, o prazer de ser brasileiro.”
Contaminado por esse populismo difundido pelas ondas de rádio e rede social a todo momento, o instituto da reeleição triplica o estrago na democracia.
Os líderes políticos viram personalidades intocáveis, personalistas, sua imagem está acima do bem e do mal, grupos de apoio dentro e fora do poder apoiam e estimulam ações de governo e comportamentos ideologizados com único foco de manter privilégios e o status quo em nova investidura do líder ao cargo máximo do país.
No caso do PT, nunca é demais lembrar que a hegemonia pelo poder é semelhante à Jihad islâmica, uma “guerra santa” para eliminar adversários ou mesmo partidários que se sobressaiam ao legado lulopetista, seja ele positivo ou negativo.
Tanto assim é que não importa o que disse Lula na Bahia. No final de agosto, seu partido aprovou resolução na qual convoca a militância a se empenhar desde já por “um quarto mandato do presidente da República.” Comando adotado na metade do primeiro ano de mandato!
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, está corretíssimo quando diz que a reeleição mantem “o governo em estado permanente de eleição,” remetendo a avaliação à consequência mais danosa para o Brasil: gestão para amigos do rei, gestão ineficiente e guiada pela irresponsabilidade de agradar àqueles que pelo poder político e econômico são capazes de sustentar nova empreitada eleitoral.
Uma infelicidade para a nação, desassistida de um impulso transformador, inovador e diferenciado que a prática da alternância de poder poderia proporcionar.