Brasília, 60 anos, e o silêncio que acalma e fortalece

A Brasília que deslumbra é a do céu que é mar, no dizer de Lúcio Costa, a dos ipês, que aliviam o embate do dia-a-dia.
Localizada em frente ao Anexo IV da Câmara, há dezenas delas na cidade. Foto: Blog.

Brasília fez 60 anos. Estou quase na idade dela. Tentei, desde as primeiras horas da manhã, escrever algo sobre a sexagenária capital federal, sempre imersa no poder, sempre lembrada pelos malfeitos de eleitos e não eleitos, pelos burocratas que esquecem por vezes existir mil Brasis e pela linda paisagem arquitetônica, patrimônio que enche os olhos de turistas e moradores.

Comigo mesma pensava tanta coisa e já depois do meio do dia resolvi postar pelas letras do teclado algo que me dissesse do seu encantamento, da sua melhor personalidade e grandeza.

De pronto, rechacei o receituário de pessimismo e de certo rancor pela primeira vez a mim receitado por uma carioca que se aposentou em Brasília, aquinhoada com regalia duradoura do emprego no Banco Central, o que a permitiu comprar apartamento na Lagoa Rodrigo de Freitas, mudando-se de vez para a terra originária e feliz, para ela.

Ela me perguntou: Morando em Brasília, você deve ter passado pelos 3 Ds. Eu indaguei: O que são os 3 Ds? Ela: Deslumbramento, descobrimento e decepção. As pessoas passam por isso em Brasília, me disse. Tudo por causa do poder, do envolvimento que se tem com ele etc.

Com certo espanto eu disse que sim, é possível, mas o poder nunca me deslumbrou, descobertas fiz muitas, boas e ruins, e decepção, quem não as tem? Claro que se integramos algo que apostamos relevante, há entusiasmo e procura-se fazer o melhor para o futuro do país. Se não acontece do jeito que esperávamos, a vida pede passagem. Sigamos.

Não importa se na capital federal ou qualquer outro lugar e qual a  conjuntura vivida a decepção dirá um dia boa tarde a você. Por isso, o melhor é não esperar muito dos lugares e das pessoas.

De modo que a Brasília que descobri e preservo viva na memória é a Brasília multicultural, de raças e pessoas valentes que, cara a cara com a desigualdade pujante, continuam andando em transporte precário, saindo de cidades goianas ou das satélites para trabalhar nas moradias das quadras arborizadas ou no cinturão arquitetônico do poder.

A Brasília dos ipês floridos, cores vívidas e diversas, ao redor dos três poderes aliviam o olhar e o embate do dia-a-dia.

A Brasília que deslumbra é a do céu que é mar, nas palavras de Lúcio Costa, é o verde das quadras matematicamente construídas, onde você pode caminhar e colher abacates, mangas, jacas, ver corujas e carcarás, a ave do cerrado que reina no plano piloto. São os parques, as corridas de rua, o apego à prática regular de atividades físicas.

E depois, o melhor dos mundos, o silêncio. Aquele silêncio com a atmosfera de ambiente despoluído, do ouvir os pássaros, as cigarras ou o farfalhar das copas verdejantes das arvores. Faz um bem danado. Podem apostar. É aprendizado útil para tanta possibilidade das habilidades humanas, e que agora, vejam só, ajuda no isolamento da pandemia.

O silêncio acalma e fortalece.