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O trem da alegria dos incentivos fiscais na reforma tributária

Em abril, Haddad disse que ia abrir a caixa preta dos incentivos fiscais, e da farra tributária de R$ 600 bilhões ia voltar a recolher R$ 150 bi; não fez uma coisa nem outra.
Ministro Fernando Haddad./ABr. Foto; Wilson Dias

Com o começo do fim dos ajustes no relatório para a votação da reforma tributária no Senado Federal, é crescente o lobby por ampliação de incentivos fiscais.

Um dos mais poderosos é do setor automotivo, que no atual governo não tem do que se queixar: a última benevolência foi o estímulo tributário com o custo inicial de R$ 1,5 bilhão para a venda de carros, ônibus e caminhões.

Em manchete na edição desta terça-feira, 24, o Estadão dá conta de que está acirrada a peleja da guerra de emendas pró e contrárias à manutenção de incentivos tributários por mais sete anos para montadoras e autopeças do Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Executivos e fabricantes de veículos do Sul e Sudeste são contrários. Estão na guerra junto a senadores e governadores para que o programa não seja prorrogado.

O volume de incentivo tributário no Brasil é crescente. Preocupa, portanto, o celebrado modo de operar do Congresso Nacional, que sempre arruma um jeito de empurrar para o tesouro nacional, em última palavra para a população, uma nova despesa, um privilégio para setores já privilegiados.

E, com absoluta certeza, nesse momento o lobby é intenso por parte de muitos outros ramos da economia.

No Brasil, garantir privilégios é matéria competente e antiga, que nem mesmo por avaliação como esse de incentivo fiscal passa para saber se a causa de existir faz jus.

Muitos estão querendo embarcar no trem da alegria dos incentivos fiscais no texto da reforma tributária. É preciso seriedade por parte do relator e do Senado.

Autor do livro Um País à Deriva, o engenheiro especializado na área de macroeconomia Samuel Hanan aponta a escalada das renúncias fiscais, “concedidas a bel-prazer pelo governante de plantão.”

Eram, segundo ele, 2,01% do PIB em 2003; saltaram para 3,48% em 2009 e, em 2022 somaram 4,65% do PIB.

A colunista de economia Adriana Fernandes diz que o pico dos subsídios ocorreu em 2015, no governo Dilma Rousseff, quando a União gastou 6,6% do PIB.

Nas contas de Hanan, as renúncias fiscais cresceram nada menos que 131% em 19 anos.

Mais grave ainda, observou no artigo “Perpetuação de privilégios sufoca os brasileiros,” é que os elevados custos tributários privilegiam com mais de 60% do total concedido as regiões sul e sudeste, as mais desenvolvidas.

Nada, rigorosamente nada, é feito para mudar a realidade de que um privilégio ainda mais espantoso da divisão indevida alarga o fosso da desigualdade, contrariando a Constituição sem deixar nossos congressistas nem um pouco constrangidos.

Afinal, as renúncias fiscais, conforme artigos da norma constitucional, precisam se ater aos objetivos de promover a redução das desigualdades sociais e regionais.

O blá blá blá da esquerda, aspas a vontade, não guarda coerência com a gestão que sempre praticou, inclusive nesse quinto governo.

Boa parte do Brasil está cansado de saber que nem todas as políticas vinculadas a esses subsídios são boas, eficientes e meritórias.

Muitas começam unicamente pelo lobby desbragado e jogo político que navega na inexistência de um programa de governo capaz de trazer alguma transformação de verdade para o Brasil. É o caso agora.

Fernando Haddad, o professor que está ministro da Fazenda, falta as aulas de ética na gestão pública. Por não honrar compromisso. Em abril encheu o peito e disse ao Estadão que ia abrir a “caixa preta” das renúncias fiscais.

Iria agir em duas direções – revelar em conjunto com a Controladoria Geral da União a lista de “CNPJ por CNPJ” das empresas que recebem renúncias e subsídios e, do total de R$ 600 bilhões dispensados a elas pelo tesouro, ia cortar pelo menos R$ 150 bilhões.

Chegamos quase ao fim do primeiro ano de governo. Nem uma coisa nem outra compromissada por Haddad foi feita. E ele só fala em aumentar receitas sem cortar na carne.

Se nega a entrar na história por meio do enfrentamento de privilégios. A quase totalidade dos R$ 600 bi de incentivos fiscais melhor seria utilizada se estivesse no orçamento público.

Com homens públicos como os que temos, indisponíveis para a verdadeira transformação, sem a disposição dos líderes, a população das regiões norte e nordeste continuará com renda média domiciliar 30% inferior à média nacional.

Haverá sempre cidadãos de segunda classe, e o Brasil não será um país desenvolvido.