Semideuses em onze ilhas na Suprema Corte

Monocraticamente, cada ilha tem produzido de tudo, impedindo ministro de ser nomeado; barrando processo de privatização; suspendendo emenda constitucional etc.
Ministro Fux sozinho anulou votação da Câmara sobre as 10 medidas contra a corrupção. Foto:Carlos Moura.

Primeiro foi Gilmar Mendes, o ministro predestinado a confronto e polêmica, e nesta quarta-feira, 4, Luís Roberto Barroso, escolhido por Dilma Rousseff para ser uma espécie de Gilmar do PT, intenção que também abrigou sonhos de Luiz Inácio Lula da Silva quando   escolheu lá atras Dias Toffoli. Diferentes mas unidos na ação de desqualificar a ação do Senado Federal destinada a frear os juízes do STF.

Cumpre notar que Toffoli e Barroso não se apresentam exatamente com o figurino articulado do único ministro indicado por FHC que ainda está na Corte.

Roberto Barroso, a quem se atribuiu a esperança de um contraponto forte a Gilmar por parte do partido que mais oportunidade teve de interferir na indicação de nomes, sendo três somente em 2003, primeiro ano do primeiro governo de Luiz Inácio, não aceitou bem a missão. Fez defesas da Lava Jato e de Sérgio Moro.

Essas escolhas, motivações, padrinhos, as campanhas, relacionamentos envolvidos, gastos em caros jantares e festas, inesgotáveis conversas políticas e até mesmo inesperadas e fortuitas ligações como a da agora aposentada Rosa Weber com o ex-marido de Dilma Rousseff, Carlos Araújo, fazem de repente um ministro.

Um baita cargo vitalício. Cargo que se faz cada vez mais político, ainda antes da TV Justiça em 2002, mas crescentemente a partir dela, com os ministros se assemelhando ainda mais a candidatos, inclusive com torcidas, quando passaram a ocupar as redes sociais.

Falar nos autos ficou para a época de um Sepúlveda Pertence. Com exceções de praxe, obvio.

Senador Plínio é autor da PEC 16, que limita a 8 anos mandato no STF: “Ministro não é semideus.” Foto: Jefferson Rudy.

A vitaliciedade na Suprema Corte ou em qualquer outra instituição é algo que numa moderna democracia não combina com o formato da República, forma de governo que precisa atender os interesses do cidadão e não de time atuando cada vez mais compartimentado, com indícios fortes de que julgamentos são contaminados pela disputa política.

Com nitidez, basta avaliar o período das últimas duas eleições presidenciais.

É algo imperial, antidemocrático, lembra o absolutismo monárquico, e como todo cargo vitalício acomoda as práticas e competências que postulam renovação e mudança, adquire-se vícios e apegos à rituais que ao invés de promover transformação na sociedade afeiçoam-se a perpetuar uma casta que se acha dona da verdade, ungida a fazer o “bem” da sociedade, a decidir o que é certo e melhor, não firmando tão somente uma constitucionalidade, zelando por isso, seu mister e dever.

Vai além: no caso do julgamento das drogas, por exemplo, quer regular qual seria a quantidade ideal de maconha a ser definida para uso pessoal. Legisla, e faz tempo.

Claro, juízes são demandados. Por partidos que no Congresso não sabem perder no voto, judicializam a derrota, e por organismos da sociedade que encontram resistência a projetos de seu interesse no parlamento.

Demoram, porém, a decidir. Quando decidem, extrapolam competências. Ou criam vacilantes jurisprudências.

Agem como se semideuses fossem, expressão utilizada pelo senador Plínio Valério (PSDB-AM) em resposta à implicação de Gilmar Mendes que não gostou da movimentação do Senado e de seu próprio presidente, Rodrigo Pacheco, na direção de votar uma emenda constitucional para fixar mandatos de suas excelências.

Semideuses são seres superiores, acima dos homens, ungidos pela gloria e por seu talento, forjado no caso do STF sabe-se como: pela preferência do presidente da República.

Estão os ministros encastelados como tais, com poder imenso em 11 ilhas.

Mas eles são funcionários públicos de alta hierarquia do topo da Justiça e, como o Senado um dia distante manteve senadores vitalícios, é ao próprio Senado que a Constituição assegura dizer se as 11 ilhas de poder que decidem deslegitimando o colegiado irão manter a vitaliciedade.

Tenha o Brasil uma configuração parlamentarista – Gilmar acha que mandato fixo so cabe no caso – ou não.

Monocraticamente, cada ilha tem produzido de tudo, impedindo ministro de ser nomeado; barrando processo de privatização; suspendendo emenda constitucional; afastando parlamentar do mandato; barrando licitação pública; mandando prender parlamentar e por aí vai. Decidem liminares em assuntos sensíveis, a torto e a direita.

Um caso me chamou a atenção. O ministro Luiz Fux anulou na Camara dos Deputados a votação do pacote “Das 10 medidas contra a corrupção” subscritas pela sociedade em uma iniciativa dos procuradores da Lava Jato, paralisando no Senado a tramitação.

Sozinho. Nada de colegiado. Esse ativismo não tem se dado apenas contra o legislativo. É também contra o executivo.

Luís Roberto Barroso, vejam só, disse que não tem “simpatia” pelo mandato fixo e que não vê necessidade de “se mexer” no Supremo, instituição que passou a dirigir tem dois dias.

É de bom tom nesse começo se inspirar na discrição e seriedade da ministra Rosa Weber, que no final das contas acabou não resistindo ao gostinho de colar em sua biografia a pauta do aborto.

Mas ela promoveu alteração regimental para reduzir atuação dispare e em desequilíbrio nas agendas do time, que sobrepôs ao colegiado o individualismo das conveniências e a conformidade das circunstâncias.

Não é possível que se continue a desrespeitar, por exemplo, a exigência de que a concessão de liminares em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) de forma monocrática só possa ocorrer no recesso. As ilhas ignoram.

Por essas e outras é que na Comissão de Constituição e Justiça do Senado nesta quarta-feira, 4, foi aprovada a PEC 8/2021, para limitar decisões monocráticas. Se a medida avança, um confronto estará instalado.

Será bom para o país se o STF sob comando de Barroso fizer o autorreconhecimento e a reflexão de que a desinibição em interferir na política; o manuseio de normas internas para validar liminar sem submeter ao colegiado; o poder que o presidente tem para colocar ou não um processo em pauta sem nenhum controle dos pares; a jurisprudência vacilante e a produção de regulação nas ações que julga enfraquecem o sistema de freios e contrapesos.

Por aí, não caminhamos nada bem.