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Deputados rebeldes e a síndrome da negação da realidade

A reforma da previdência, como outras que virão, está acima das querelas partidárias.
Rigoni está entre os 19 parlamentares que contrariaram orientação do partido.Foto: Cleia Viana.

Para começo de conversa, penso que os partidos deveriam deixar ao arbítrio da consciência de cada deputado como votar na Proposta de Emenda à Constituição (PEC 6) que produz a mais contundente reforma na previdência social brasileira.

É razoável simplesmente dizer não à reforma de algo que suga mais dinheiro do que educação, saúde e segurança pública juntas? É razoável vomitar palavras de ordem sem que se considere de fato o rombo nas contas públicas de uma previdência absolutamente desigual?

Setores da “esquerda” sofrem da síndrome de negação da realidade ao colocar tudo em termos ideológicos, um anacronismo que tão somente isola partidários e provoca descrença crescente no eleitorado mais esclarecido e moderado acerca da capacidade das legendas entenderem o Brasil.

A reforma da previdência, como outras que virão, está acima das querelas partidárias. É forte antibiótico para estancar o rombo nas contas do governo federal. Tem a ver com a economia. Seria muito mais decente e honesto para com o Brasil deixar que o parlamento, amplamente renovado nas últimas eleições, votasse com as convicções de cada um que o compõem.

A deputada Tábata Amaral (PDT) e o deputado Felipe Rigoni (PSB) estão entre os 19 parlamentares dos partidos que votaram a favor da reforma, contrariando a orientação partidária. O mundo caiu, e Ciro Gomes, contundente como sempre, ataca a deputada de forma indecente. Tem outros, mas ele só fala dela. O que teme?

“O que está acontecendo com a Tábata foge do campo do mérito, da discussão sobre a votação da Previdência. Ela passou a sofrer ataques pessoais. Está sendo tratada de forma imoral pelo PDT. Isso não é política, isso é coronelismo”, disse Rigoni à revista Epoca, em socorro à deputada que chama de amiga.

Com 25 e 28 anos respectivamente, Tabata e Rigoni são da safra de deputados jovens, militando em partidos de centro-esquerda, que pensam por si próprios e sabem que a desigualdade social se agiganta à medida que o Estado gastador consome os recursos do contribuinte de forma inadequada.

Estudam, participam e não enxergam a política como um instrumento dogmático – isso é muito bom – que não aceita outra visão, não admite a vitória do outro lado e seu eventual acerto. Apresentaram emendas à reforma, algumas foram aceitas, e consideraram haver mais pontos positivos do que negativos no desenho final do substitutivo do relator Samuel Moreira (PSDB-SP) votado na semana passada. E votaram nos destaques dos professores e mulheres.

Falando ainda à Época, veja o que disse o parlamentar, engenheiro, cego desde 15 anos: “Você vai para a mesa de negociação, apresenta suas propostas, elas são aceitas e, mesmo assim, você não vota a favor por uma questão partidária? Isso só nos leva a concluir que é preciso reformular a maneira como a gente faz oposição aqui no Brasil”, ponderou.

Pois não é? Por que, ao invés de se utilizarem da retórica de sempre, em defesa do pobre trabalhador, algo que depois do mensalão, petrolão, corrupção em ministérios, assalto em fundos públicos, ao BNDES, aos Correios e outras empresas controladas pelo Estado ecoa como uma patranha, não apresentaram uma contraproposta?

Mais: se não existe déficit previdenciário, se há o melhor dos mundos no sistema de aposentadorias, o segundo maior gasto no orçamento publico federal, por que diabos em quase 15 anos de poder a “esquerda” não auditou a dívida pública, que somente de juros e amortizações abocanharam no ano de 2018 o R$ 1 trilhão (gráfico) pleiteado pelo ministro Paulo Guedes (Economia)?

Sempre foi uma bandeira da “esquerda” antes da chegada ao poder, em 2003. Alojada nos castelos de Brasília, silenciou por completo. As conveniências eleitorais, afinal o que mais perseguem é chegar ao poder – daí o dogmatismo doentio – e o dinheiro de bancos e empreiteiras adubou fartamente as campanhas como nunca se viu, distanciaram PSOL, PDT, PT, PCdoB desse propósito.

Uma lástima. Sou amplamente a favor, e louvo o trabalho de convencimento e a peregrinação da auditora fiscal aposentada Maria Lucia Fatorelli para que essa auditoria aconteça. O sangue de cada trabalhador brasileiro alimenta cruelmente o índice de 40% do orçamento com pagamento de juros e amortizações!

O presidente Jair Bolsonaro e sua trupe não prometeram arrochar banqueiros e acabar com a ladroagem institucionalizada que beneficia investidores dentro e fora do país, arrivistas e sanguessugas do trabalho alheio.

Como disse, isso foi promessa da “esquerda.”

Com a votação da reforma da previdência, a percepção é de que sua irresponsabilidade para com o país aumenta na proporção em que não arrefece a ultrapassada visão de que o Estado deve servir a corporações, gastar indiscriminadamente e produzir justiça social sem considerar a responsabilidade fiscal.